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Em celebração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, datado em 10 de dezembro, UnBNotícias resgata matérias da revista Darcy sobre a temática

Histórico de elaboração das primeiras cartas de direitos até a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos é resgatado em matéria da Darcy 20 publicada em 2018. Arte: Secom UnB

 

Direitos para todos os humanos. É o que assegura a declaração oficializada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. O documento, que em 2022 completa 74 anos, motivou a promulgação da data como Dia Internacional dos Direitos Humanos. Diante da proximidade do marco, o UnBNotícias dá visibilidade à temática a partir da publicação de duas de matérias do Dossiê do número 20, lançado em 2018, da revista Darcy, publicação de jornalismo científico e cultural da UnB.

Confira abaixo a primeira das reportagens:

Brasil, 2018. Um terço da população mais jovem do nosso país vive com renda per capita menor que R$ 346 na zona urbana e inferior a R$ 269 na zona rural. São 18 milhões de meninas e meninos em domicílios com recursos insuficientes para comprar uma cesta básica por mês, que em Brasília custa em média R$ 385. Embora componha a cruel realidade brasileira, a pobreza monetária não é o único problema. Seis a cada dez crianças não têm acesso a pelo menos um direito fundamental, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Estudo da entidade aponta que quase metade (49,7%) das crianças e adolescentes brasileiros que vivem na pobreza (61%) está exposta a (5,9 milhões); e proteção contra o trabalho infantil (2,5 milhões). Cerca de 14 mil jovens não têm acesso a nenhum dos seis direitos analisados.

Questões tão diversas e complexas trazem nas entrelinhas o anseio por condições de vida digna e livre, independentemente de classe social, raça, cor, sexo, nacionalidade, religião, opinião política ou qualquer outra condição – características que definem o conceito de direitos humanos. Tais premissas nortearam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que completa 70 anos em 2018.

O texto, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 10 de dezembro de 1948, foi elaborado em resposta às atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial. Essas experiências, sobretudo a do Holocausto, levaram a comunidade internacional a uma repactuação completa, na visão do professor do Instituto de Ciência Política da UnB Pablo Holmes: “A Declaração Universal não é só um conjunto de valores, é um compromisso assumido pelos países a partir de então”.

“As questões derivadas das situações de barbárie que acompanham a história da sociedade moderna, como as guerras, foram o grande fundamento dos debates dos anos 1940, reivindicando exatamente que se construísse um consenso social sobre os elementos sem os quais o humano não se constitui”, acrescenta o professor da Faculdade de Direito da UnB José Geraldo de Sousa Junior.

Apesar do reconhecimento da Declaração de 1948 como base da concepção contemporânea sobre os direitos humanos, a história revela outras origens e abordagens. Um dos olhares passa pela cronologia dos marcos documentais que deram origem a garantias individuais: as primeiras cartas de direitos. Em muitos contextos, tais direitos eram restritos a grupos específicos, como nobres, membros do alto clero da Igreja Católica e homens livres.

Um desses primeiros registros foi a Magna Carta da Inglaterra, do ano de 1215. O documento proclamava liberdade da Igreja, direito de posse e herança de propriedade para os cidadãos livres, e os princípios de presunção de inocência e julgamento justo. Outros instrumentos legais emergiram, sobretudo na Europa, por volta do século XVII, na transição da Idade Média para a Modernidade.

Foi o caso dos normativos ingleses Petition of Rights (Petição de Direitos, 1628), Habeas Corpus Act (Ato de Habeas Corpus,1679) e Bill of Rights (Declaração de Direitos, 1689). Os registros expandiram liberdades aos súditos, estabeleceram regras para a privação de liberdade, limitaram os poderes do monarca e declararam a independência do Parlamento em relação ao rei.

O professor Holmes reforça que o contexto da Reforma Protestante na Inglaterra impulsionou o nascimento das cartas de direito desta época. “Elas surgiram da dificuldade que o rei teve de administrar uma população que não era mais fiel apenas a uma religião. Isso resultou em guerras religiosas, instabilidade política e busca por direitos econômicos, de liberdade de profissão, de locomoção, de religião”, explica o professor.

Já no século XVIII, a Declaração de Virgínia (EUA, 1776) estabeleceu direitos essenciais e naturais aos homens, como vida, propriedade e segurança. É considerada por muitos pesquisadores a  formulação da constituição do país.

A Revolução Francesa e os ideais de liberdade, fraternidade e igualdade, que resultaram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) marcaram o esboço de garantias universais, embora elas estivessem limitadas, à época, a parcelas restritas da população.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 representou o auge do reconhecimento de garantias individuais fundamentais como questão universal, inalienável e indivisível. O documento inspirou constituições de muitos países e foi impulsionador de sucessivos tratados e acordos, responsáveis pela expansão do campo jurídico internacional dos direitos humanos. Entre eles, convenções para prevenção e repressão de genocídios; para eliminação da discriminação racial e contra as mulheres; e para a defesa dos direitos da criança e das pessoas com deficiência.

Correntes teóricas de vertente mais crítica ao entendimento estritamente jurídico apontam que os marcos documentais não são suficientes para explicar a complexidade dos direitos humanos. O professor José Geraldo acredita que a temática extrapola a perspectiva das garantias de proteção, porque integra um campo de disputas ideológicas com diferentes conjunturas e demandas específicas. “Os direitos humanos são as lutas pelo reconhecimento da dignidade do humano, e isso é uma construção política e histórica no social”, define.

Para compreender as duas dimensões do conceito – o que são os direitos e qual consenso se estabelece sobre a condição humana – é preciso responder a outra pergunta: direitos para quem? Ex-reitor e estudioso do direito achado na rua, o professor José Geraldo observa: “Se a princípio parece óbvio o que se entende por humano, tal reconhecimento esbarra nas contradições da história. No Brasil, a concessão de direitos limitou-se por muito tempo a determinados grupos sociais”.

Infográfico elaborado com base em dados de estudo da Unicef de 2018 aponta privações de direitos de crianças e adolescentes no Brasil. Arte: Secom UnB


A Constituição de 1824, após a proclamação da Independência, foi um exemplo dessa contradição, segundo José Geraldo. “O documento estava apoiado na tese de que todo homem nasce livre e igual em direitos. Porém, em uma sociedade escravocrata, em que o trabalho era alienado da dignidade, o escravo não era reconhecido como pessoa humana”. Analfabetos, indígenas, mulheres e outros grupos que não tinham propriedade e renda eram excluídos, ou seja, não eram vistos como “homens de bem”, para ser literal à linguagem constitucional daquela época.

O professor Holmes destaca o abismo histórico entre leis e práticas, acrescentando que os textos das constituições brasileiras incorporaram o debate global sobre direitos humanos, embora eles não tenham se efetivado: “A Constituição de 1891 previu os direitos políticos ao declarar que o Brasil era uma república democrática, mas excluía o voto das mulheres e do analfabetos. Em 1934, incorporamos os direitos sociais, algo que se espalhava pelo mundo, e nunca paramos para realizar as transformações necessárias para que esses direitos fizessem sentido”.

Brasil e América Latina, na análise de Holmes, foram incluídos no debate sobre os direitos humanos de forma subalterna, com pactos sociais que não privilegiam a inclusão. “São países que integram a economia e a política global com uma estrutura social baseada na lógica da exclusão, o que resulta em altíssimos índices de desigualdade. O Brasil chegou ao século XX com democracia, mas ninguém podia votar; com direitos trabalhistas, mas seus trabalhadores não podiam exercê-los. A primeira greve geral no país foi em 1917 e houve assassinato, tortura e expulsão dos imigrantes por parte do Estado.”

Essa herança ecoa na própria contemporaneidade, quando ainda persistem limitações para o exercício político dos direitos humanos entre segmentos sociais historicamente excluídos. Por isso, José Geraldo defende que, mais do que declarados, os direitos humanos devem ser exercidos. O caminho para isso seria aproximá-los da política e colocá-los como agenda na definição de políticas públicas.

“A transformação da teoria em prática só é possível pela participação política e pela educação, com o envolvimento dos cidadãos nos processos democráticos por meio do debate e da escolha de representantes que possam direcionar as demandas sociais”, argumenta o professor de Direito.

A participação política da sociedade civil também é apontada por Holmes como saída para a efetivação dos direitos humanos: "A participação por meio de organizações, sindicatos, associações, partidos, ONGs é uma virtude da democracia. É assim que a sociedade civil diz ao poder público seus anseios e à elite econômica que não aceita qualquer coisa”.

Os dados ilustram o contexto global contemporâneo de constantes violações a direitos mínimos, que em tese deveriam ser inerentes a todo ser humano. Para além da miséria e da falta de acesso a recursos básicos de subsistência, o Brasil e o mundo escancaram outros flagrantes desse quadro, materializados em situações de violência, exclusão, intolerância, discriminação e preconceitos.

Os exemplos de desrespeito aos direitos humanos são muitos: crise migratória com impactos em nações de vários continentes; alto índice de mortes violentas nos países mais pobres; desigualdades entre homens e mulheres; marginalização da população negra; homofobia; abusos das forças de segurança; repressão indiscriminada à liberdade de expressão e manifestação.




>> Leia a íntegra da Darcy 20

SAÚDE INDÍGENA – A temática dos direitos humanos também perpassa a nova edição da revista Darcy (número 28), inspirada no centenário do antropólogo e fundador da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro. Em homenagem a seu legado em defesa dos povos originários, as reportagens do Dossiê trazem um panorama do sistema de atenção à saúde pública às comunidades indígenas e uma pesquisa que leva tecnologia e garante dignidade no acesso ao tratamento da doença do bicho de pé entre esse grupo.

>> Acesse a Darcy 28

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