OPINIÃO

Isaac Roitman e Eduardo Chaves

 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 25 anos. Elaborado para assegurar os diretos fundamentais das crianças e dos adolescentes, contém normas que dão garantias a questões consideradas essenciais à formação dos cidadãos, como acesso à educação, saúde, lazer, moradia adequada e convivência familiar e comunitária.

 

A lei representou um significativo avanço normativo. No entanto, não estabelece explicitamente diretrizes para o atendimento e a garantia dos direitos, especialmente na dimensão da saúde e da cognição na primeira infância – até 6 anos de idade.

 

Em que pese a necessidade de aprimoramento, o estatuto deve vir para fortalecer direitos, não como retrocesso, a exemplo das propostas de redução da maioridade penal. Essa perspectiva ajuda a dar um novo olhar para a questão da infância, sem condenar a adolescência em razão da incapacidade do Estado de cuidar de seus cidadãos já a partir do nascimento.

 

Na primeira infância, a criança está mais fortemente exposta aos agravos provocados por condições de vulnerabilidade. O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) aponta para a primeira infância como mais suscetível às vulnerabilidades sociais e econômicas, uma vez que 13% dessa população se encontra abaixo da linha da pobreza, ao passo que a média nacional, em todas as idades, é de 7%.

 

Os estudos da neurociência mostram que, quando nascemos, centenas de bilhões de neurônios já se encontram disponíveis para os processos cognitivos. Nos primeiros anos de vida, esses neurônios integram conexões conhecidas como sinapses, que são responsáveis pela elevação da capacidade cognitiva por toda a vida.

 

A interação constante e correta com o mundo exterior é base para o pleno desenvolvimento de um cérebro sadio, também dependente da alimentação e das condições gerais de saúde. Investir no estímulo cognitivo na primeira infância deve ser considerado prioridade.

 

Segundo James Heckman, prêmio Nobel de Economia, cada dólar investido na educação da primeira infância dará retorno de nove dólares para a sociedade. Sobre o sistema educacional brasileiro, ele assim se manifestou: "Colocar mais crianças na escola, como tem feito o Brasil, é bom. Melhorar a qualidade do ensino é ainda melhor. Mas essas duas iniciativas, por mais bem executadas, não chegarão a fazer muita diferença se não for tomado um cuidado extra: investir também nas crianças na primeira infância. Um programa de primeira infância de qualidade para a população carente é uma condição necessária para avançarmos em direção a uma sociedade mais educada, igualitária e, sobretudo, menos violenta".

 

Países como a Finlândia, com investimento maciço no sistema educacional, registram baixíssimos índices de violência, o que justifica investir incansavelmente na educação formal e informal das nossas crianças para que, daqui a 20 anos, tenhamos uma sociedade solidária e sem violência. O Projeto de Lei nº 14/2015, que tramita no Senado Federal, dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância, abrindo espaços para que a sociedade avance nos cuidados de nossas crianças. No inciso IV do artigo 4º, o projeto propõe "reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando o investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação das crianças".

 

Será importante cuidar dos futuros brasileirinhos a partir da gestação, preparando a mãe e a família para receber a criatura que será protagonista do futuro do país, para que possam executar os protocolos contemporâneos nos cuidados da saúde e no desenvolvimento cognitivo. Será importante dar qualidade à educação infantil, preparando a criança para uma educação moderna no ensino fundamental e médio.

 

A formação para a cidadania, com a promoção de valores e virtudes das futuras gerações, contribuirá para que todos os brasileiros sejam felizes. Nesse contexto, é pertinente lembrar o pensamento de Ernest Hemingway: "De todos os presentes da natureza para a raça humana, o que é mais doce para o homem do que as crianças?".

 

Isaac Roitman é Professor Emérito e coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da UnB, e membro da Academia Brasileira de Ciências

 

Eduardo Chaves é assistente social, pesquisador e coordenador do Comitê Distrital pela Primeira Infância, do Governo de Brasília

 

Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense em 24/7/2015

 

Palavras-chave