OPINIÃO

José Alberto Vivas Veloso é professor aposentado da Universidade de Brasília e criador do Observatório Sismológico (SIS), da mesma universidade. Graduado em Geologia, mestre em Geofísica pela Universidad Nacional Autónoma de México, estudou Sismologia no International Institute of Seismology and Earthquake Engineering, no Japão. Trabalhou na Organização das Nações Unidas, em Viena (Áustria), na montagem de uma rede mundial de detecção de explosões nucleares. É autor do livro O terremoto que mexeu com o Brasil.

Alberto Veloso

 

Eram 7h17m47s de 19 de setembro de 1985, quando o chão da conhecida metrópole começou a vibrar intensamente e por longo tempo. Passados alguns minutos, o resultado não poderia ser pior, aproximadamente 30 mil construções destruídas incluindo o desabamento de 400 edifícios e, no mínimo, 10 mil vítimas fatais. O terremoto atingiu 8.1 na escala Richter. Algo chamou a atenção: o epicentro do sismo estava a mais de 300 km de distância. Por que tanta e tão seletiva destruição?

 

Diz a lenda que uma cidade nasceria onde um índio avistasse uma águia acima de um cacto com uma serpente presa na boca. A cena foi observada em uma pequena ilha e ali começou surgir uma cidade que cresceu bastante. O misticismo envolto no nascimento da urbe atravessou séculos, materializando-se de forma clara no desenho da bandeira daquele país. Primeiro, ela foi o lago de Texcoco e, em seguida, Tenochtitlán, a capital do resplandecente império asteca no início do século 14. Recortada por inúmeros canais, usados como vias de transporte e para irrigação, a cidade situava-se no interior de extenso vale de terras férteis. Ali, vivia um povo conhecedor de plantas medicinais, de astronomia, da escrita pictográfica e de avançada organização administrativa. Em seu apogeu, ela abrigou milhares de habitantes, acostumados a vislumbrar uma arquitetura rica de monumentos espetaculares, como as pirâmides vizinhas, chamadas do Sol e da Lua. Apesar do aparente poderio de Tenochtitlán, ela sucumbiu, por completo, ante a astúcia e a determinação do conquistador espanhol Hernán Cortez, em 13 de agosto de 1521. Esse é um curto histórico do que veio a ser a Cidade do México, hoje acomodando mais de 20 milhões de pessoas em sua região metropolitana, o que a coloca entre as dez maiores aglomerações urbanas do planeta.

 

Além de sua aguerrida e turbulenta história, o México possui um território de alta sismicidade e vulcanismo, pois se assenta sobre três placas tectônicas – Norte-americana (abrange a maior área), do Pacífico e de Cocos. Essa geotectônica ainda mostra um agravante, já que partes da cidade-capital cresceram acima de antigo lago que foi drenado, resultando um subsolo lodoso, com altíssimo teor de água. Esse tipo de geologia traz complicações para as construções acima dela, quando da passagem de ondas sísmicas, pois ao perderem velocidade nos estratos sedimentares, as ondas ganham maiores amplitudes. Pior, dependendo da espessura dos sedimentos, da velocidade e da duração das vibrações sísmicas, podem surgir frequências dominantes do movimento do solo e ocasionar efeitos de ressonância. Isso ocorre quando há coincidência entre a frequência dominante do terreno com a frequência natural de oscilação do edifício, que então passa a balançar cada vez mais intensamente e colapsa. É a altura do edifício que determina o seu período de ressonância e, o terremoto de 1985 derrubou 371 prédios, todos eles entre 7 e 18 andares. Edifícios mais altos continuaram em pé, incluindo a Torre Latino-Americana, então o mais alto de todos.

 

Da mesma forma que alguns terremotos surpreendem por seus efeitos inusitados, também é certo que muito se aprende com eles, embora nem sempre existam boas respostas para tudo o que se quer saber. As construções da Cidade do México tornaram-se mais seguras após o sismo de 1985 e isso é essencial, porque o perigo dos terremotos aumenta com a expansão das urbes tanto para cima, como para os lados.


Apesar de seu título, este artigo não tem a pretensão de criticar a Cidade do México por estar onde está e nem poderia ser diferente – fui feliz morando lá por mais de dois anos. O fato é que existem várias outras cidades situadas em locais inadequados quando se trata de terremotos: Istambul, São Francisco, Los Angeles e Tóquio estão nessa lista. Mas todas elas têm algo em comum: o zelo pela cultura da prevenção, que em última instância, é o meio eficiente de resguardar vidas. O México faz isso e já se tornou modelo também: modificou e aperfeiçoou normas de construções civis, criou centros de prevenção de desastres, modernizou redes sismográficas de monitoramento, mapeou áreas de riscos e faz campanhas sistemáticas para a população aprender a agir em situações de emergência.

 

Para relembrar os 30 anos do terremoto de 19 de setembro de 1985, o México realizará um exercício, em nível nacional, para simular a ocorrência de um forte tremor. Isso envolverá milhares de funcionários civis e militares e grande aparato de apoio. Eles sabem que a melhor resposta é estar preparado para o verdadeiro terremoto que poderá vir amanhã, ou em futuro próximo.

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