EXTENSÃO

Iniciativa do INCT Caleidoscópio exibe filmes e promove diálogos com alunos do IFB. Visita à UnB marcou fim das atividades de 2023, na última sexta (6)

Estudantes do segundo ano do ensino médio do IFB de São Sebastião estiveram no campus Darcy Ribeiro para visita guiada e avaliação das ações do projeto Caleidoscópio Enredado nas Escolas. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


“Você ficaria melhor se alisasse seu cabelo”. “Seu cabelo tem muito volume”. As frases, reverberadas em conversas sobre o documentário Sin&Nhá: entre o palco, a vida real e os bastidores (2021) em projeto de extensão da UnB junto a estudantes de ensino médio, perpassam a trajetória da secundarista do curso técnico em Administração do Instituto Federal de Brasília (IFB) Vitória Maria Sousa. 

A jovem negra identificou situações de racismo sofridas pela mãe após assistir ao filme, que trata das violências simbólicas e estruturais vivenciadas pelas mulheres negras no mercado de trabalho. “Foi muito marcante para mim, porque minha mãe é uma mulher negra e ela é vendedora. Várias coisas que elas [as personagens do filme] falaram remeteram muito à minha mãe e aos preconceitos que ela já sofreu”, conta Vitória.

Outras marcas do racismo cotidiano percebidas por seus colegas de classe em contato com o filme, dirigido pela doutoranda em Artes Cênicas na UnB Caroline Carvalho, motivaram reflexões sobre o assunto. A experiência é parte das ações do Caleidoscópio Enredado nas Escolas: Femifilme Cine-Debate.

Em 2023, a iniciativa da UnB incentivou o diálogo sobre desigualdades de gênero, raça e classe entre estudantes do segundo ano do ensino médio do campus de São Sebastião do IFB a partir da exibição de filmes brasileiros dirigidos e protagonizados por mulheres. O campus foi escolhido pela localização em área de vulnerabilidade socioeconômica.

A estudante de ensino médio Vitória Maria Sousa aposta na discussão do racismo para que esta violência não seja naturalizada. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


Na última sexta-feira (6), 25 alunos do Instituto estiveram no campus Darcy Ribeiro da UnB para um balanço das discussões, dinâmicas e contribuições do projeto em 2023, e também para conhecer a Universidade.

“Eu acho muito importante debater sobre esses assuntos porque, infelizmente, ainda ocorrem muito racismo, machismo, entre outras desigualdades sociais. Acho muito importante a gente continuar com essa luta, porque se não fossem debatidos, é como se a gente normalizasse esses preconceitos”, declara Vitória Maria Sousa.

Estudante negra, Dieniffer de Jesus Maffini também reconhece o impacto do tema e como ele afeta sua vida. “Foi uma experiência muito interessante. O filme Sin&Nhá tratava da vida de mulheres pretas e periféricas, e a gente teve um debate a partir desse documentário sobre o racismo. Acho importante a proposta porque não é um assunto que a gente conversa, é um assunto polêmico e as pessoas geralmente ignoram para não falar”, avalia.

Para a coordenadora do projeto, Viviane Resende, o intercâmbio de experiências com os estudantes também foi enriquecedor para suas práticas. “Eu aprendi muito com vocês, com a forma como vocês discutiram os temas, inclusive, quando não achavam que estavam no lugar certo, estavam abertas e abertos a discutir os assuntos. Eu acho que as pessoas trans precisam discutir racismo, os homens precisam discutir o patriarcado, para a gente avançar com soluções. Vocês me mostraram como fazer isso.”

“Pela fala dos estudantes, vejo que o projeto impactou muito. Eles conversaram bastante sobre as temáticas que a gente propôs e conseguiram identificar como isso os atravessa. Eles se sentiram aptos, prontos e dispostos a falar sobre isso, a falar sobre como essas coisas podem ser combatidas”, compartilha Bruna Batista, estudante do quinto semestre de Letras-Português e uma das bolsistas do projeto a mediar os diálogos.

SONHO POSSÍVEL – Além de deixar sugestões para aprimorar as próximas atividades realizadas pelo Caleidoscópio Enredado nas Escolas, os secundaristas puderam aproveitar um tour pelo campus ao longo do dia. Experimentoteca de Física, Observatório Sismológico (Obis), Restaurante Universitário (RU) e Biblioteca Central (BCE) foram alguns dos pontos incluídos no roteiro de visitação, que também visou aproximar os estudantes da realidade da instituição e incentivá-los a ingressar no ensino superior.

“Um objetivo que nós tínhamos é que esses alunos, e principalmente as meninas, tivessem essa visão de que a universidade é um lugar possível sendo um estudante de escola pública. A gente queria que eles vissem como um lugar acessível e que pode ser o futuro deles”, comenta Bruna.

Debates sobre racismo, machismo e desigualdades sociais foram instigados junto aos estudantes por meio da exibição de dois filmes. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


ALÉM DA SALA DE AULA – Este é o primeiro ano de realização da iniciativa, coordenada pelo Instituto de Estudos Avançados em Iniquidades, Desigualdades e Violências de Gênero e Sexualidade e suas Múltiplas Insurgências – INCT Caleidoscópio. O projeto conta com parceria do IFB, Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam/UnB), Laboratório de Estudos Críticos do Discurso (Labec/UnB), grupo de pesquisa Afecto e Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Gênero (Greig/UnB).

Ao longo de 2023, dois cine debates, orientados por questões e frases relacionadas à temática dos filmes, foram realizados. A ideia é que a discussão pudesse ser repercutida em sala de aula na disciplina de Língua Portuguesa, ministrada pela professora do Instituto e coordenadora adjunta do projeto, María del Pilar Acosta.

“Toda a ideia do INCT Caleidoscópio está baseada na interseccionalidade. Por isso, a proposta do Caleidoscópio Enredado nas Escolas também segue essa linha de discussão. Nós já apresentamos a proposta de parceria com IFB com o recorte interseccional. E foi muito oportuno, porque já está sendo discutido raça com as turmas na cadeira de linguagens por conta de um concurso de redação em que vão participar com essa temática”, explica a também coordenadora do INCT Caleidoscópio, Viviane Resende, referindo-se ao 2º Concurso de Redação Multicampi do IFB.

Além do documentário Sin&Nhá, houve exibição do filme Que horas ela volta (2015), de Anna Muylaert. A obra retrata a luta de uma filha de empregada doméstica pernambucana para ingresso numa universidade pública de São Paulo e a relação hierárquica existente entre a mãe e os patrões.

Instigados pelas produções audiovisuais, os estudantes trouxeram à tona reflexões sobre dificuldades de acesso ao ensino superior para jovens de baixa renda, emprego, desigualdades socioeconômicas e raciais, obstáculos para mulheres negras no mercado de trabalho e racismo.

Bruna Batista é graduanda na UnB e bolsista do projeto de extensão. Para ela, a iniciativa permite que estudantes identifiquem violências sofridas e se mobilizem para o enfrentamento. Foto: Anastácia Vaz/Secom UnB


“Por meio desses audiovisuais, a gente queria que eles tivessem contato com algumas temáticas sociais, principalmente de gênero, classe e raça, e que, a partir desses temas, eles conseguissem debater, trocar e articular melhor ideias”, comenta a extensionista Bruna Batista.

As trocas de experiências com bolsistas do projeto egressas de escolas públicas também foram decisivas para mostrá-los que a chegada à universidade é um caminho possível. “Eles realmente se sentiram confortáveis para falar sobre experiências pessoais e para deixar claro que querem entrar na UnB, mas nunca se sentiram capazes disso de verdade porque ninguém nunca falou que eles conseguiriam”, menciona a estudante do sétimo semestre de Letras-Tradução-Francês Ana Gaspar, também bolsista do Caleidoscópio Enredado nas Escolas.

Ela reconhece que o diálogo contribuiu para que os alunos também enxergassem situações de violência de gênero e raça não só nos filmes, mas em suas vivências, e que colocassem em prática o aprendizado no enfrentamento a essas problemáticas, inclusive a partir da promoção de um ambiente de sala de aula mais respeitoso para as mulheres.

“A gente enfatizou a importância de se ouvir as mulheres e de que, se tiver uma discordância, a questão tem que ser tratada, mas não de maneira agressiva, não diminuindo uma mulher porque você não concorda”, ressalta.

Para ela, o impacto da ação também é sentido em sua própria formação acadêmica. “Esse projeto me deu vontade de trabalhar com a licenciatura, porque eu percebi que o trabalho de combater as violências de gênero e raça, de falar sobre acesso à universidade, de abordar a questão do lugar de onde você vem é muito mais fácil quando a gente faz na base, antes de as pessoas entrarem na universidade”, relata.

Assista à apresentação do projeto, contemplado nos editais Licenciaturas em Ação e do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (Pibex):



CONHEÇA – Instituído na UnB em janeiro de 2023, o INCT Caleidoscópio atua na produção de conhecimentos e promoção de práticas inovadoras para o enfrentamento às violências e desigualdades de gênero e para fortalecer a inclusão das mulheres na ciência.

O Caleidoscópio reúne grupos de pesquisa de 24 instituições das cinco regiões do país. Além de promover extensão, o INCT desenvolve trabalho em outras frentes, como a criação de incubadoras sociais para desenvolvimento de pesquisa intergeracional com mulheres, a implementação de observatórios para estudar violência contra mulheres no ambiente acadêmico e a elaboração de uma política de divulgação científica acessível voltada ao debate sobre a importância das mulheres na ciência e do conhecimento científico na vida delas.

Até o momento, o INCT já implementou dois pilotos: um observatório nas regiões Sul e Sudeste, sediado na Universidade de Campinas (Unicamp), e uma incubadora social abrangendo as regiões Norte, Nordeste e o território da Amazônia Legal, instalado na Universidade de Campina Grande (UFCG).

Quanto ao projeto Caleidoscópio Enredado nas Escolas, a expectativa é de ampliação em 2024. “Temos intenção de transformar o projeto em programa, pelo edital Meninas e Mulheres na Ciência, trazendo mais para o foco de acesso e permanência no ensino superior, sempre com a estratégia do Femifilme Cine-Debate, mas de forma itinerante, atingindo os campi do IFB e escolas da SEEDF [Secretaria de Educação do Distrito Federal]”, aponta Viviane Resende.

>> Saiba mais sobre o INCT Caleidoscópio

VEM AÍ –
Os obstáculos para ascensão das mulheres às carreiras científicas, a sub-representação delas nas diversas áreas do conhecimento e iniciativas acadêmicas para estimular a presença das mulheres no ensino superior são assuntos que estarão em pauta em matéria da próxima edição da revista Darcy, publicação de jornalismo científico e cultural da UnB. O dossiê do número 30 dará visibilidade às lutas feministas e ao protagonismo das mulheres na ciência. O lançamento será em novembro.

 

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