A Universidade de Brasília recebeu o presidente do Chile, Gabriel Boric, que realizou a palestra Democracia e Direitos Humanos. O evento ocorreu no Auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) nesta quinta-feira (24). Estudantes, servidores e comunidade externa lotaram o espaço.
Em sua palestra, Gabriel Boric defendeu uma maior integração entre os países latino-americanos e destacou que é preciso construir soluções coletivas para problemas compartilhados. “Ninguém cresce sozinho”, afirmou o presidente.
Ele alertou para os riscos de retrocessos democráticos e para a necessidade de vigilância constante das conquistas sociais e civis. “As democracias não são imortais, é preciso cuidar delas todos os dias”, declarou. Em sua avaliação, os direitos não devem ser vistos como garantidos ou irreversíveis.
Boric também criticou as lógicas de dependência econômica e geopolítica e defendeu maior autonomia dos países do sul global. “Não queremos seguir a lógica de potências que nos utilizam como peças de xadrez”, afirmou, ao argumentar pela construção de alternativas solidárias e emancipatórias.
Ao lembrar o golpe militar que instaurou a ditadura de Augusto Pinochet no Chile, o presidente destacou a importância da memória e do compromisso democrático. “A democracia não é apenas um regime político, é uma forma de vida”, disse, em referência ao legado de resistência de sua geração.
O presidente chileno também comentou os desafios enfrentados por governos progressistas na América Latina, incluindo os avanços de forças autoritárias e conservadoras. “A extrema direita cresce quando a democracia não resolve os problemas das pessoas”, afirmou. Segundo ele, combater as desigualdades sociais e ampliar os direitos são caminhos fundamentais para preservar os valores democráticos.
Boric destacou ainda a relevância da juventude para a construção de sociedades mais justas e inclusivas. Ele lembrou de sua trajetória como líder estudantil e incentivou os presentes a se engajarem na vida pública. “Participem, organizem-se, façam política com ética e com alegria”, disse, recebendo aplausos da plateia.
COOPERAÇÃO – Ao abordar os desafios contemporâneos à soberania dos países, Boric relatou uma conversa com representantes da União Europeia em que ouviu uma frase que o marcou profundamente. “Cometeram o erro de acreditar que a soberania reside no povo”, disse, ao citar a resposta que recebeu ao questionar por que as medidas de austeridade foram aplicadas na Grécia mesmo após a rejeição popular em referendo.
O presidente chileno defendeu a ideia de que hoje existem poderes transnacionais, como as big techs, que influenciam decisões que deveriam pertencer aos povos. “Esse papel que o Judiciário brasileiro desempenhou em defesa da democracia contra a desinformação é, quero dizer a vocês, um exemplo mundial”, afirmou, ao elogiar a atuação do Supremo Tribunal Federal frente às plataformas digitais.
Durante sua fala, o presidente chileno destacou a importância da construção de alternativas logísticas na América Latina, como o corredor bioceânico, não apenas por razões comerciais, mas como um exercício de soberania. “Construir alternativas, neste caso rodoviárias, é também uma questão de soberania”, afirmou, ao criticar a tentativa dos Estados Unidos de retomar o controle do Canal do Panamá. Boric ressaltou que a integração regional deve ser vista para além do lucro das empresas: “Também é soberania em nossos países”, completou.
PARCERIA – A reitora da UnB, Rozana Naves, destacou o compromisso histórico da instituição com a democracia, a ciência e a integração latino-americana. “Excelentíssimo senhor presidente, a Universidade de Brasília se sente profundamente honrada em recebê-lo nesse espaço, que é um espaço de reflexão crítica, de diálogo plural, de compromisso democrático”, afirmou.
Ela lembrou que a UnB completou 63 anos em 21 de abril e reafirmou os princípios que orientam sua missão desde a fundação. “Compartilhamos com Vossa Excelência a convicção de que a democracia se sustenta com justiça, participação cidadã, acesso universal ao conhecimento”, disse, ressaltando também as sólidas parcerias acadêmicas estabelecidas com instituições chilenas.
Entre os estudantes presentes, Heitor Martins Lacerda, do 5º semestre de Direito, destacou a importância de ter acesso a uma palestra com um chefe de Estado. “Foi a primeira vez que eu consegui comparecer a um evento desse com um chefe de Estado”, afirmou. Heitor comentou que já havia tentado assistir à visita da ex-presidente Michelle Bachelet à UnB, mas só conseguiu acompanhar o final da palestra.
Para Heitor, a palestra do presidente Boric trouxe uma outra perspectiva para o Sul Global. “Especialmente quando ele fala desse momento de redefinição das regras globais do jogo”, destacou. O estudante avalia que o discurso carrega uma visão otimista sobre alternativas para a América Latina, como o corredor bioceânico. “Mostra que não necessariamente as coisas vão nessa direção [favorável ao Norte Global], basta ter um esforço concertado dos países para que a gente consiga um melhor lugar.”
