DIREITOS HUMANOS

Projeto tem a participação da Comissão Pastoral da Terra e contribui para mobilização social e política no resgate da memória destes episódios

"Quantas violações o Estado pratica ao se omitir diante dos massacres no campo?", questionou Marivaldo Pereira, do MJSP, na reunião desta terça-feira (30). Na imagem, manifestação popular contra a impunidade no caso de Pau D'Arco, que resultou em mortes na zona rural do Pará, em 2017. Foto: Andressa Zumpano/CPT Nacional

 

Para contribuir com o aperfeiçoamento do sistema de Justiça, o projeto Memória dos Massacres no Campo fará o levantamento e a análise de 57 casos de massacres que vitimaram 293 pessoas em 11 estados do Brasil. Esses são dados coletados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e se referem ao período de 1985 a 2023. O estudo será coordenado pela Faculdade de Direito (FD) da Universidade de Brasília, em parceria com a Secretaria de Acesso à Justiça (Saju) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e com a CPT. A cerimônia de celebração do Termo de Execução Descentralizada (TED) de R$ 2,1 milhões ocorreu nesta terça-feira (30), no Salão de Atos da Reitoria.

A reitora Márcia Abrahão destacou o esforço dos últimos anos para tornar a Universidade mais humanista, e se orgulhou de firmar parcerias em ações que são importantes para a população. “O tema que vocês trazem para debate mostra o quanto ainda temos para avançar no cumprimento dos direitos básicos da sociedade. Esse projeto vai promover ações e políticas públicas para a promoção do acesso à justiça”, disse.

Márcia Abrahão comentou sobre o amplo projeto que o Brasil e a China estão desenvolvendo no âmbito da agricultura familiar, com a participação do Movimento Sem Terra. A comitiva chinesa da Universidade de Agricultura da China visitou a UnB na segunda-feira (29). A reitora esteve na China no final de 2023. “Somos uma Universidade criada para ser protagonista, e, ao longo da história, mostramos o nosso pioneirismo. Fico feliz de colocarmos em curso essas duas ações que trazem visibilidade e protagonismo aos pequenos proprietários”, comemorou a reitora.

A diretora da Faculdade de Direito, Daniela Marques de Moraes, explicou que o coordenador do projeto na Faculdade, professor Alexandre Bernardino, não pôde comparecer por compromissos acadêmicos assumidos anteriormente. Ela contou que recebeu o material da pesquisa para ler, pois tramitou na FD. “Saúdo o compromisso e a responsabilidade do governo e da Universidade de Brasília, de assumirem juntos esse pacto pelo compromisso com a cidadania, com os seres humanos, com as realidades concretas existentes e essas vivências todas. Isso é mais do que o papel da universidade. Isso é, de fato, a nossa possibilidade de intervenção social, que, acredito eu, seja o grande eixo para os nossos propósitos existenciais dentro da universidade”, disse.

Entre Marivaldo Pereira e Daniela Marques, a reitora Márcia Abrahão salientou o compromisso da UnB em promover políticas que garantam o acesso à Justiça. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE

 

O quadro histórico de ataques contra lutadoras e lutadores da terra é mais uma das motivações à violência no campo em que ocorrem as mortes coletivas, explica a assessora da CPT e pesquisadora do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), Mara Carvalho, que também é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH) da UnB. “Esses massacres são mortes ocorridas no campo devido à violência que é praticada contra os povos da luta pela terra. A concentração fundiária no Brasil, a grilagem de terras e a defesa da propriedade privada corroboram para o aumento da violência no campo”, resumiu.

A pesquisa contribui para o resgate da memória dos casos de mortes coletivas no campo e traz visibilidade aos massacres que vitimaram as 293 pessoas em 11 estados do Brasil e para o quadro de impunidade jurídica das ocorrências. “A impunidade ainda é uma dívida histórica para a luta pela terra, e a gente quer agregar a esta luta a Universidade de Brasília, que já faz parte, mas que chega com esse lugar de pesquisa e intervenção social para modificar o quadro da violência no campo”, reforçou Mara Carvalho.

Os esforços reunidos para dar prosseguimento ao projeto – fruto de uma pesquisa iniciada pelo IPDMS, pela CPT e por universidades – pretendem criar um repositório sobre os casos, com conteúdo audiovisual e documentos. A análise dos casos irá gerar relatórios com sugestões de novas políticas públicas e melhorias das existentes. “Nos chamou a atenção para a necessidade de construir, sistematizar e dar visibilidade para essas violações. Quantas violações o Estado pratica ao se omitir diante dos massacres no campo? Se não colocarmos na pauta política, isso vai continuar acontecendo”, argumentou o secretário de Acesso à Justiça do MJ, Marivaldo Pereira.

Esteve presente na cerimônia o ex-reitor da UnB (2009/2012) José Geraldo de Sousa Junior, professor da Faculdade de Direito e autor do Direito Achado na Rua, um projeto criado em 1986 que busca dialogar com os problemas enfrentados pelos grupos vulneráveis, numa perspectiva de acesso à justiça e aos direitos humanos. “Já conheço o projeto, porque acompanhei parte da discussão e conheço seus principais formuladores. E, como Mara lembrou, tem referência na visão emancipatória do Direito e, portanto, no compromisso que agora é de novo retomado com força de pensar o jurídico como mediação de afirmação democrática e de reajuste da justiça”, comentou.

INCLUSÃO – O professor José Geraldo e a diretora Daniela Moraes mencionaram a possibilidade de abrir turmas especiais, para indígenas e para assentados, na graduação da FD. “Eu quero contribuir com isso e com esse acervo todo que estamos construindo nessa forma muito bem estreitada de ações da nossa Universidade, que é uma universidade inscrita na concepção da justiça e dos direitos humanos”, disse José Geraldo.

 

Equipes da UnB, do Ministério da Justiça e da Pastoral da Terra celebraram o avanço representado pela assinatura do acordo. Foto: Beto Monteiro/Ascom GRE