OPINIÃO

Marcelo Tadeu dos Santos é sociólogo, doutorando em História pelo PPGHIS/UnB e professor dos cursos de Direito e Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília.

Marcelo Tadeu dos Santos

 

De novo uma escola de ensino básico, desta vez em São Paulo, é palco de cenas lamentáveis de intolerância e violência contra alunos e professoras. Um estudante de 13 anos entrou com uma faca, assassinou uma professora e feriu outras cinco pessoas.


São dezenas as questões que precisam ser discutidas diante de um evento tão dramático, mas, infelizmente, não tenho o espaço e a formação necessárias para abordar cada um deles da forma como precisam ser abordados. Mas um ponto específico precisa ser analisado com todo cuidado. A escola se tornou um ambiente onde professores e alunos já não encontram mais a segurança necessária para o desenvolvimento de uma formação marcada pelo compromisso com a cidadania e a afirmação dos direitos, através de um processo de desconstrução intensa e permanente de toda e qualquer forma de preconceito, visando ao combate aberto à desigualdade e se ocupando de dinâmicas didáticas e pedagógicas voltadas para a certificação da democracia como princípio fundamental de organização da vida social. Alunos e educadores, não importa qual seja sua condição de classe, gênero ou raça, deveriam se sentir seguros para manifestar essa condição. A escola deveria ser o espaço onde se constrói o reconhecimento de que a diferença é  o fundamento da nossa existência social, e que qualquer atitude que se coloque no caminho desse processo deveria ser neutralizada de forma incisiva por uma série de instrumentos e políticas pedagógicas que reforcem essa dimensão inclusiva da escola. Mas, infelizmente, não é isso o que acontece.  


Há tempos se instalou uma percepção absurda e perigosa de que a escola deve servir para reforçar os valores tradicionais de um conservadorismo medíocre que atenda às demandas de uma formatação socioeconômica profundamente desigual amparada no preconceito. A razão da existência desse complexo ideológico identificado com o extremismo de direita está focada num arranjo familiar autoritário, avesso a qualquer tipo de ordenação política fundada em estruturas metodológicas de caráter científico do ensino que busque uma perspectiva mais inclusiva. Os defensores dessa dinâmica organizacional rejeitam qualquer visão que esteja focada na diversidade e que se contraponha ao tradicionalismo patriarcal que serviu de base, junto com o racismo e tantos outros mecanismos de legitimação da desigualdade social, para a constituição da nossa sociedade.  As manobras conduzidas por esses setores sempre estiveram focadas na possibilidade de garantir que os espaços educacionais estejam submetidos aos seus valores, mesmo que tais valores estejam em completo desacordo com os princípios fundamentais da democracia.


Professores que denunciavam as contradições do nosso processo de formação social passaram a ser tratados como bandidos que tentam doutrinar ideologicamente crianças inocentes, desviando-as do caminho do bem e da salvação. Políticos, pais, representantes religiosos e líderes de movimentos liberais e conservadores da direita passaram a organizar uma verdadeira caça às bruxas no interior das instituições de ensino, utilizando-se das redes sociais para denunciar educadores e pesquisadores e exigindo, publicamente, que estes profissionais sejam sumariamente demitidos e expulsos do magistério e da vida acadêmica. Organizações como o Escola Sem Partido passaram a defender a criação de toda uma estrutura legal que criminalizasse o professor que atuasse de forma crítica em sala de aula. Temas como racismo, homofobia, marxismo, aborto, desigualdade social e feminismo, além de uma infinidade de escritores, passaram a ser evitados. Só a menção a qualquer um destes temas, títulos ou autores, em sala de aula, poderia (e pode!!) gerar ao educador um constrangimento enorme.


Se tem uma coisa em que nossa sociedade sempre foi prodigiosa, foi na produção de  mecanismos voltados para garantir que o “cidadão de bem” continue usufruindo de seus privilégios.  Não me impressiona que nesse último ataque, em São Paulo, quatro das vítimas tenham sido professoras (sim, mulheres!). Afinal de contas, tem muita gente que defende como liberdade de expressão o ato de conspirar abertamente contra a democracia, mas nega esse mesmo direito ao professor ou à professora, taxando-os de criminosos só porque eles insistem em adotar como parte da seu conteúdo temas que ameaçam os fundamentos ideológicos básicos de um sistema fundado na desigualdade, focando  numa prática pedagógica voltada para a desconstrução do autoritarismo e do preconceito que servem como fundamento das nossas relações.

 

Quando se estimula o ódio se colhe a perversidade.

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