OPINIÃO

 

Renata Queiroz Dutra é professora de Direito do Trabalho da Universidade de Brasília e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). É doutora Direito pela UnB. Integra a Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista no Brasil – Remir - Trabalho, lidera o Grupo de Pesquisa Trabalho, Interseccionalidades e Direitos (UnB/CNPq) e coordena o projeto Observatório da Reforma Trabalhista no STF (Remir/UnB).

 

 

Renata Santana Lima é doutoranda em Direito pela UnB. Mestra em Direito pela UFBA. Bolsista da ABET. Integra o Observatório Trabalhista do Supremo Tribunal Federal (Remir) e o Grupo de Pesquisa Trabalho, Interseccionalidades e Direitos (UnB/CNPq).

 

João Victor Figueiredo Soares é graduando em Direito pela Universidade de Brasília. Membro do Grupo de Pesquisa "Trabalho, Interseccionalidades e Direitos" (CNPQ/UnB) e do Observatório da Reforma Trabalhista no STF (Remir/UnB).

 

 

Renata Queiroz Dutra, Renata Lima e João Victor Figueiredo

 

As mudanças no cenário político nacional, ocorridas a partir de 2016, representaram – além da fragilização da democracia brasileira – o avanço da agenda neoliberal, contribuindo, assim, para um processo continuado de redução da proteção social do trabalho.

 

Convergiram com esse momento histórico transformações no mundo do trabalho em escala global, compatíveis com uma nova reestruturação produtiva, que foi responsável pela introdução de novas dinâmicas laborais, com acentuado uso da tecnologia e, lamentavelmente, desenvolvidas em um mesmo sentido de superexploração do trabalho, sem garantias sociais.


No Brasil, vivenciamos o avanço do trabalho controlado por plataformas digitais e um grande apelo ao fenômeno do “empreendedorismo”, ao mesmo tempo em que foram promovidas alterações legislativas de austeridade, como a imposição do teto de gastos públicos (EC nº 95/2016), a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e a Reforma da Previdência (EC nº 103), que reduziram de modo significativo o escopo das políticas públicas, a intervenção estatal nas relações assimétricas e o conjunto dos direitos sociais.


Com essas alterações, não só houve a flexibilização de garantias trabalhistas e redução da proteção assegurada pela previdência social, como também se dificultou o acesso à Justiça do Trabalho e se desestabilizou a representação sindical.


Supervenientemente a esse cenário, a pandemia do covid-19 avassalou o mundo a partir do ano de 2020, evento em que a atuação do governo brasileiro foi marcada pelo descaso para lidar com tamanha calamidade pública, em especial pelos números alarmantes de mortos, atrasos na compra de vacinas, desincentivo ao isolamento social e escassez do amparo emergencial aos trabalhadores que tiveram suas fontes de renda abaladas, o que culminou no aumento da fome e da miséria no país.


Para além do âmbito da regulação, a pandemia do covid-19 infligiu mudanças dramáticas nos mundos do trabalho, com destaque para a migração desorganizada para o trabalho remoto, a intensificação da dupla jornada das mulheres, aumento do desemprego e da informalidade aliado à expansão da “uberização” do trabalho, implicando no agravamento da precarização das condições de trabalho.


Nessa quadra histórica turbulenta, a eleição presidencial de 2022 se apresentou como uma acirrada disputa entre uma larga aliança do campo democrático e a continuidade de um projeto em que neoliberalismo e autoritarismo se articularam, em uma escalada assustadora, marcada por tensionamentos no corpo da sociedade civil, ameaças à lisura do processo eleitoral e diversos casos de assédio eleitoral no ambiente de trabalho.


Depois de todos esses acontecimentos, o resultado das eleições presidenciais de 2022, enquanto vitória do campo democrático, coloca no debate público, novamente, a discussão sobre um projeto de desenvolvimento para o país, no qual o trabalho possui um papel central. Trata-se de reconstruir um mundo do trabalho marcado por pobreza, informalidade, desemprego, desalento e precarização, recuperando os prejuízos advindos das reformas de austeridade para o nosso modelo de proteção social, mas também avançando, no sentido de reinventá-lo de maneira que possa atender às peculiaridades da nossa conformação social e econômica, respondendo às demandas da sociedade brasileira e implementando processos de inclusão em perspectiva de gênero, de raça e demais marcadores de diversidade.


Essa reconstrução convoca a enfrentar as fragilidades de um modelo protetivo centrado no emprego formal, para repensar novos caminhos para a inclusão da diversidade de trabalhadoras e trabalhadores.


A centralidade do trabalho em relação à organização da vida social fica marcada por esses três grandes capítulos recentes da história nacional e evidencia a importância de um campo de estudos sobre o mundo do trabalho, com perspectiva crítica e propositiva, orientada pela transformação das relações sociais e reversão das desigualdades.


Acompanhando esse conjunto de mudanças, a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, associação civil de caráter técnico-científico, sem fins lucrativos, fundada em 1989, desenvolve eventos e atividades acadêmicas direcionadas à área-tema de seus objetivos e que possam ter implicações em políticas públicas. A Associação realiza encontros nacionais bienais que elegem uma temática central estruturante das discussões nas conferências, mesas redondas, reuniões com temáticas específicas e sessões de apresentação de resultados de pesquisas voltadas para o mundo do trabalho, selecionados por comissão científica. A ABET privilegia a proposta multidisciplinar em que se conjugam as Ciências Econômicas, o Direito, a Sociologia, a Ciência Política, a História, a Medicina e Segurança do Trabalho, a Educação, a Psicologia, a Antropologia, a Engenharia, entre outras.


Paralelamente aos encontros nacionais, a Associação desenvolve meios para estimular a divulgação de pesquisa através de sua política de publicações: edita regularmente um Boletim Informativo (seu semanário), a Revista da ABET e mantém um site (http://abet-trabalho.org.br/).


Nesse sentido, as questões que afetam o mundo do trabalho, com destaque para aquelas abordadas no início desse texto, foram enfrentadas nos dezessete encontros nacionais realizados pela associação. Acompanhando as transformações no cenário brasileiro, o XVI Encontro Nacional da ABET, realizado em Salvador, na UFBA, se centrou na reforma trabalhista brasileira. Já o XVII Encontro da ABET, ocorrido em 2021 e organizado pela UFU, se deu de maneira integralmente remota, com o tema “Crises e horizontes do trabalho a partir da periferia”.

 

UnB recebe encontro nacional da ABET


No ano de 2023, o encontro nacional voltará a acontecer, graças à vacinação, de forma presencial. Nos dias 5 a 9 de setembro a Universidade de Brasília receberá o XVIII Encontro Nacional da ABET, que, cristalizando o momento de esperanças e incertezas, e como tentativa de síntese dos dois encontros anteriores, se anuncia como espaço de reflexão qualificada sobre os desafios e possibilidades da reconstrução da proteção social e da retomada do trabalho decente no Brasil.


A construção do Encontro conta com uma fraterna articulação dos grupos de pesquisa que estudam o trabalho na Universidade de Brasília, a partir de distintas perspectivas e abordagens. As inscrições estão abertas, bem como os editais para a propositura de mesas redondas, para apresentação de comunicações escritas e pôsteres digitais nos grupos de trabalho e para a submissão de manuscritos de livros para o Prêmio Mundos do Trabalho. Os prazos de submissão estão abertos e vão até 10 de abril, com acesso na página do evento. Participem!

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