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OPINIÃO

Mauro Del Grossi possui pós-doutorado em medidas de segurança alimentar pela FAO em 2015. Doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas em 1999 e Mestrado em Economia Agrária pela ESALQ/USP em 1989. Atualmente é professor associado da Universidade de Brasília, na Faculdade UnB Planaltina, integrante do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios (PROPAGA) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública (PPGP). Publicou vários livros e capítulos de livros, artigos em periódicos especializados e trabalhos em anais de eventos. Em seu currículo os termos mais frequentes são: Segurança Alimentar, Agricultura Familiar, Novo Rural, Pluriatividade, Emprego Rural, Desenvolvimento Rural e Pobreza Rural.

Mauro del Grossi

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados definitivos do Censo Agropecuário 2017 e, juntamente, novos dados sobre a agricultura familiar brasileira. Praticada por mais de 3,9 milhões de estabelecimentos, a agricultura familiar é importante fornecedora de mandioca, frutas, hortaliças, leite, aves, suínos, entre outros. Entretanto, os números ligados a esse segmento pioraram entre 2006 e 2017, com redução no número de estabelecimentos e pessoas ocupadas. O que pode ter ocorrido é um exemplo de sucesso das políticas públicas de desenvolvimento rural do período, nos quais milhares de agricultores familiares evoluíram, incrementaram sua produção, e passaram a ser contabilizados como não familiares.

Segundo os Censos Agropecuários de 2006 e 2017, o número de estabelecimentos agropecuários está relativamente estável, com pouco mais de 5 milhões de unidades. Entretanto, o número de agricultores familiares reduziu em 407 mil estabelecimentos, enquanto os não familiares aumentaram em 305 mil estabelecimentos. Ou seja, muitos dos que deixaram a classificação de agricultores familiares passaram a ser contabilizados como não familiares. Isso explica parte da redução do número de agricultores familiares. A exceção é a região Sul, onde ocorreu uma expressiva redução de estabelecimentos. Nas regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste, cresceram os dois grupos de produtores, inclusive na área ocupada.

Outro aspecto a ser considerado decorre de uma mudança na metodologia entre os Censos Agropecuários, em que o IBGE deixou de registrar 177 mil produtores sem área, contabilizando sua produção nos estabelecimentos onde estão inseridos. Esses produtores sem área, na maioria, são agricultores familiares.

A classificação oficial da agricultura familiar no Brasil é dada pela Lei nº 11.326, de 2006, que estabelece, para enquadramento na categoria, limites de área, predominância da mão de obra familiar nos trabalhos agropecuários, gestão familiar do negócio, e ter como fonte principal de renda a produção do seu estabelecimento, entre outros. O que ocorreu é que milhares de estabelecimentos progrediram, adotaram novas tecnologias e, especialmente, liberaram mão de obra, deixando de atender aos requisitos legais para serem contabilizados como agricultores familiares.

Esse movimento virtuoso também ocorreu entre aqueles que permaneceram na categoria de agricultores familiares. Milhares de agricultores deixaram o estrato mais pobre e passaram para uma categoria superior, segundo a classificação do Pronaf, o mais antigo programa voltado para a agricultura familiar no país. O número de agricultores familiares na classe média do Pronaf saltou de 860 mil para 1,14 milhão de agricultores.

Quando analisamos as atividades produtivas, o mesmo movimento ocorreu: o número de produtores permaneceu o mesmo ou até aumentou, mas com a mudança de categoria - de familiares para não familiares. É o caso da produção de trigo, soja, feijão-verde, banana, cacau, e dos rebanhos de bovinos, aves e suínos. Na produção de mandioca, feijão fradinho, cacau, flores, ovos e nos rebanhos de caprinos e ovinos, temos um aumento dos dois grupos de produtores.

Nesse primeiro olhar sobre os resultados do Censo Agropecuário, várias explicações podem ser levantadas para esse movimento virtuoso, mas sem dúvida as políticas públicas tiveram um papel crucial. A começar pelo Pronaf, passando pela assistência técnica e extensão rural; programas de seguros, como o Garantia Safra; de apoio à comercialização, como as aquisições para a alimentação escolar e para a segurança alimentar; práticas territoriais; assentamento de famílias na reforma agrária, entre outras ações públicas.

Essa capacidade de resposta dos agricultores familiares aos estímulos das políticas públicas é reconhecida internacionalmente, devido ao papel decisivo que podem cumprir nas ações de combate à fome e à pobreza. É por esse potencial que as Nações Unidas declararam os anos de 2019-2028 como a Década para a Agricultura Familiar.

Gerando trabalho direto para mais de 10 milhões de pessoas, ainda há muito a ser aprimorado na agricultura familiar. Com certeza investigações mais aprofundadas precisam ser realizadas, possibilitadas pela riqueza de informações do Censo Agropecuário 2017, que fornecerá a base para novas pesquisas e ações públicas, visando promover o desenvolvimento futuro desses agricultores tão importantes para o Brasil.

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 18/11/2019

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