OPINIÃO

 

Alexandre Bernardino Costa é diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e professor do programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH/CEAM/UnB).

 

 

Vanessa Maria Castro é coordenadora da Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade de Brasília (PPGDH/CEAM/UnB).

 

 

Alexandre Bernardino Costa e Vanessa Maria Castro

 

O dia 10 de dezembro, quando se celebra a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), convida-nos a revisitar um marco que buscou sintetizar, no pós-guerra, as bases éticas de um mundo mais justo. Não se trata apenas de uma data comemorativa: é um momento de reflexão sobre o quanto avançamos e, sobretudo, sobre o quanto ainda precisamos caminhar para que a dignidade humana seja um valor plenamente reconhecido na vida cotidiana.

 

É inegável que desde 1948 ocorreram progressos importantes. Países incorporaram direitos civis, políticos, sociais e ambientais em suas constituições; ampliaram-se mecanismos de controle democrático; consolidaram-se sistemas internacionais e regionais de proteção; e movimentos sociais fortaleceram a compreensão de que direitos humanos são resultado de lutas coletivas, e não concessões formais. Essa trajetória se deve ao trabalho incansável de mulheres, povos tradicionais, populações negras, grupos indígenas, pessoas com deficiência, trabalhadores e tantos outros sujeitos que reivindicaram, e continuam reivindicando, reconhecimento, justiça e igualdade.

 

Contudo, os desafios permanecem profundos. O aumento das desigualdades, a insegurança alimentar, a precarização do trabalho, os deslocamentos forçados e a intensificação das crises ambientais mostram que os direitos sociais ainda não alcançam a universalidade necessária. O avanço de discursos autoritários corroe o tecido democrático e fragiliza políticas públicas que deveriam funcionar como garantias básicas. A naturalização da violência, inclusive nas redes digitais, expõe a insuficiência de mecanismos estatais e sociais de proteção.

 

Entre os grupos mais afetados, as mulheres seguem vivenciando vulnerabilidades estruturais que atravessam diferentes esferas da existência. A violência de gênero permanece como uma das violações mais graves e persistentes: feminicídios, agressões, assédio e abuso continuam sendo realidade cotidiana para milhares de mulheres. A desigualdade salarial, o acúmulo de jornadas, a sub-representação política e a sobrecarga de cuidados evidenciam que a igualdade formal ainda está distante de se traduzir em igualdade real.

 

Para as mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, migrantes ou mães solo, essas desigualdades se entrelaçam com fatores raciais, territoriais, econômicos e etários, produzindo múltiplas camadas de vulnerabilização e de violaçõs de Direitos Humanos. É também sobre elas que recaem, com maior intensidade, os efeitos das crises ambientais e climáticas, que impactam de maneira desigual o acesso à água, à moradia digna e à segurança alimentar.

 

Nesse sentido, a celebração do 10 de dezembro precisa ser acompanhada por uma agenda concreta de ação. Estados e sociedades devem fortalecer políticas de igualdade de gênero, ampliar redes de enfrentamento à violência, garantir orçamento para ações de proteção, investir em educação em direitos humanos e promover ambientes democráticos que acolham a pluralidade das experiências. Além disso, é fundamental reconhecer e valorizar o trabalho dos movimentos sociais, que historicamente sustentam a produção de direitos e a defesa da vida em suas múltiplas dimensões.

 

As universidades públicas, como a UnB, desempenham papel essencial nessa construção. Ao produzir conhecimento crítico, formar profissionais comprometidos e dialogar com a sociedade, contribuem de maneira decisiva para a consolidação de uma cultura de direitos humanos que não se limita ao discurso, mas se enraíza nas práticas. Nesses espaços, afirma-se que a dignidade humana, especialmente daquelas pessoas que enfrentam as maiores desigualdades, deve orientar toda ação institucional.

 

Celebrar o dia 10 de dezembro, portanto, é reafirmar que os direitos humanos seguem sendo um projeto em disputa, que exige vigilância permanente, responsabilidade ética e compromisso coletivo. É lembrar que a democracia se fortalece quando as vulnerabilidades são enfrentadas de maneira séria, integral e interseccional. E é reconhecer que, enquanto houver mulheres e homens lutando para existir com liberdade e segurança, o horizonte dos direitos humanos continuará sendo também um horizonte de esperança.

 

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