OPINIÃO

Suylan de Almeida Midlej e Silva é professora do Departamento de Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Administração na Universidade de Brasília. É líder do grupo de pesquisa Estado e Sociedade no Combate à Corrupção (Gesocc), vinculado ao CNPq.

 

Suylan de Almeida Midlej e Silva

 

O termo corrupção tem muitos significados. O primeiro deles, que está na própria origem da palavra, é o de quebra, ruptura. Corromper é inutilizar, desestabilizar, desintegrar. No dia internacional contra a corrupção é importante refletir sobre prevenção e combate a essa fratura que, no campo da gestão pública, impacta, sobremaneira, as políticas públicas. E, por consequência, toda a sociedade, tamanhas as perdas que a corrupção traz.

 

Uma das fraturas mais importantes é a quebra de confiança e sensação de desesperança em relação aos cuidados que estados e governos precisam ter com a coisa pública, o que corresponde não só à corrupção “da” administração pública, mas também “junto a” ela. Esse cenário nos leva a pensar no que seria o contrário de corromper. De forma atenuar esse mal que assola todos os países do mundo? Afinal, não à toa esse fenômeno está sendo lembrado hoje em todos os quadrantes do globo.

 

Primeiro, não podemos naturalizar práticas corruptas sob o argumento de que são inerentes à nossa cultura. Não são. São comuns a todas as sociedades. Estão presentes em nossas vidas, invadem diversos espaços e incentivam atitudes em todos os âmbitos. Mas cultura pode ser mudada, transformada, reconstruída.

 

A cultura política brasileira vem sendo nitidamente alterada ao longo dos anos, com mais controle social a partir de organizações da sociedade civil e dos próprios cidadãos e cidadãs. Temos avançado na mudança das relações entre Estado e sociedade para ampliar essa participação social. No entanto, ainda temos muito a avançar, reconhecendo que a corrupção não é apenas um problema ético-moral, mas um problema de gestão pública. E pode ser enfrentado com políticas públicas, a exemplo da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), da Lei Anticorrupção (12.846/2013), do Plano de Integridade e Combate à Corrupção (Decreto n° 12.304/2024) e outras.

 

O combate à corrupção requer controles de várias naturezas, tanto com sanções aplicadas pelos órgãos de controle como pela população durante os processos eleitorais, por meio da escolha dos representantes políticos e das denúncias sobre desvio de recursos ou uso indevido da máquina administrativa em todas as esferas públicas.

 

Sobre a prevenção, algumas ideias e medidas têm sido lançadas em todo o mundo, como a de integridade pública. Se formos à acepção da palavra, integridade quer dizer o contrário do efeito de desintegrar, sentido presente na origem da palavra corrupção. Mas não podemos, com isso, considerar a integridade como algo inerente apenas ao indivíduo, o que pode levar à criminalização dos servidores públicos que não andarem na linha sob o jugo da promoção da integridade. O termo precisa ser visto de forma mais ampla, como um compromisso institucional.

 

Vale destacar alguns avanços nessa direção, como o novo conceito cunhado por meio da Instrução Normativa MGI nº 11/ 2024, que define Ética e integridade como a “capacidade de agir de forma refletida e consciente, nas relações profissionais e interpessoais, considerando princípios e valores que priorizem o interesse público”. Essa descrição transcende à dimensão única dos valores morais ou das codificações normativas de conduta. Convida os agentes públicos ao exercício da discricionariedade voltada ao interesse público.

 

Na perspectiva da sociedade, a prevenção tem sido discutida e praticada por meio da representação política, de ações de fiscalização de políticas públicas e de mobilizações sociais diversas, como as realizadas desde o início do ano 2000 pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), agora com a agregação de novas entidades da sociedade civil e cidadãos e cidadãs engajados em comitês populares de denúncias de compra de votos e a fiscalização permanente dos políticos. Essa rede tem se organizado com o nome de Mutirão Nacional de denúncia de compra e sequestro de votos.

 

Ações como essas – tanto da administração pública, revendo suas práticas de prevenção por meio de uma cultura da integridade baseada no compromisso institucional com o interesse público, além do uso continuado de sanções adequadas, como da sociedade civil, mantendo-se vigilante e sendo fiscal da coisa pública, – é que podem nos ajudar a descristalizar a cultura da corrupção e ajudar a construir outra cultura política.

 

Esse debate precisa estar em nossas agendas todos os dias, e a universidade pública tem um papel importante nesse sentido, com realização de discussão em sala de aula, estímulo a pesquisas sobre a temática e atividades de extensão, mobilizando a sociedade para refletir permanentemente em prol do interesse público e contra a corrupção.

 

 

 

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