OPINIÃO

 

Norma Diana Hamilton é professora da Instituto de Letras e coordenadora do Neab da UnB. Doutora em Literatura e Práticas Sociais pela UnB.

 

 

 

Renata Callaça Gadioli é professora da  Faculdade de Administração, Contabilidade, Economia e Gestão de Políticas Públicas e pesquisadora do Neab da UnB. Coordenadora do Fórum Nacional de Educação Básica do Centro Oeste da ABPN. Doutora em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional.

Norma Diana Hamilton e  Renata Callaça Gadioli

 

Em 1986, quando o Brasil ainda tateava em busca de mecanismos efetivos de combate ao racismo, a Universidade de Brasília deu um passo decisivo ao criar o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), integrado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam). Desde então, o Neab se consolida como um dos pilares mais importantes da UnB na promoção de ações de ensino, pesquisa e extensão voltadas a ações antirracistas na UnB, tendo como horizonte a justiça racial, a igualdade de oportunidades, a valorização da diversidade e a construção de conhecimento politicamente posicionado na temática racial.

O Neab foi — e continua sendo — um espaço de resistência, produção intelectual e mobilização política dentro da universidade. Sua atuação histórica dialoga diretamente com acontecimentos fundamentais, como a aprovação das cotas raciais na UnB, celebradas em 2023 com uma semana de seminários realizados em parceria com o Centro de Convivência Negra (CCN), dentre outras entidades. A UnB foi pioneira na implementação das cotas e também na criação das bancas de heteroidentificação, enfrentando fraudes e protegendo o direito ao acesso de estudantes negros e negras.

O trabalho do Neab hoje prossegue nos eixos de ensino, pesquisa e extensão, que funcionam de forma integrada, coerente e transformadora. No ensino, o Neab promove uma formação étnico-racial interseccional dirigida a docentes, técnicos e estudantes, além do público externo. Essa formação ocorre por meio de cursos, rodas de conversa, congressos e da produção de coletâneas científicas. O núcleo oferta semestralmente a disciplina Cultura, Poder e Relações Raciais com uma diversidade de foco, podendo envolver a Educação para as Relações Étnico-Raciais (Erer). Atualmente, dedica-se à análise de novas propostas curriculares. Uma das atuações prioritárias é apoiar escolas, gestores escolares e docentes na implementação da Lei 10.639/2003, ampliando o compromisso da UnB com a educação antirracista. A abordagem interdisciplinar - que atravessa áreas como Literatura, História, Artes, Saúde, Direito, Tecnologia e Museologia, dentre outras - demonstra que a luta antirracista é uma responsabilidade de toda a universidade.

Na pesquisa, o Neab promove e estimula estudos em áreas fundamentais, como História da África e Cultura Afro-Brasileira, quilombos, territórios e memórias do Distrito Federal, soberania intelectual e interseccionalidades nas políticas públicas. Os encontros mensais fortalecem redes e ampliam a circulação de conhecimento. Além disso, o núcleo tem investido em divulgação científica, mantendo viva a tradição de conexão entre universidade e sociedade, especialmente com coletivos negros da UnB e de outras instituições federais.

Na extensão, o Neab avança na articulação com projetos coletivos, como Pibex, Polos de Extensão, o Progroma Afroext da Secadi-MEC, em parceria com a Universidade Federal do Sul da Bahia e a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), no desenvolvimento de ações no ensino básico. Essa atuação amplia o alcance das ações formativas, levando o conhecimento produzido no Neab para além dos muros da universidade e reforçando seu papel social.

Esses objetivos são, juntos, a espinha dorsal de uma UnB que deseja ser referência na construção de políticas antirracistas e na formação de profissionais comprometidos com a justiça social. Apesar dos avanços, o NEAB-UnB enfrenta desafios estruturais que exigem o engajamento ativo de toda a comunidade acadêmica.

O primeiro desafio diz respeito à resistência de unidades acadêmicas em implementar uma disciplina obrigatória sobre Erer. Embora seja uma urgência ética, pedagógica e legal, muitas estruturas curriculares ainda tratam a temática como opcional. O NEAB defende que todas as licenciaturas — e idealmente todos os cursos da UnB — incorporem a formação antirracista como parte de seus currículos. Sem isso, a universidade não cumprirá seu papel transformador na formação de educadores, profissionais e lideranças sociais antirracistas.

Outro desafio é a baixa presença de docentes negros e negras na UnB, mesmo com a existência da Lei 12.990, que estabeleceu reserva de 20% das vagas para profissionais negros, e com a nova Lei 15.142, que ampliou o percentual para 30%. A sub-representação docente compromete a pluralidade de perspectivas na universidade, enfraquece a produção científica negra e limita o acesso de estudantes a modelos acadêmicos que reflitam sua própria diversidade. Não se trata apenas de justiça; trata-se de garantir a excelência acadêmica por meio da pluralidade intelectual.

Diante desses desafios, o Novembro Negro na UnB se torna um chamado à ação. A luta antirracista não é uma pauta setorial: é uma responsabilidade coletiva. Professores, estudantes, técnicos, gestores — todos(as) somos convocados(as) a participar dessas ações, que possam promover uma educação étnico-racial como princípio ético e político da nossa vida universitária.

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