Edergênio Negreiros Vieira e Samara Xavier
“A arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido.” – Steve Biko.
O processo de tomada de consciência é, sem dúvida, um dos elementos mais dolorosos na vida de um indivíduo, pois envolve a ruptura com tudo aquilo que foi introjetado em sua estrutura psíquica. Ao nascermos, já encontramos um mundo social, cultural e histórico construído. Os elementos que compõem esse habitus são estruturados por símbolos relacionados à estrutura econômica colonial e racista que mergulham o ser humano na alienação de si mesmo.
Frantz Fanon argumenta que a alienação do povo dominado, causada pelo colonialismo, provoca o adoecimento físico e psíquico. Assumir o controle da própria vida e romper com a lógica colonial de matriz civilizatória eurocêntrica é, portanto, um dos maiores desafios que podemos enfrentar. O caminho para o domínio da subjetividade dos oprimidos passa por um giro epistemológico. Reivindicamos que a escola compreenda que o tornar-se negro é um processo de autorreconhecimento e reconstrução subjetiva e atue como espaço de emancipação, e não de reprodução das desigualdades.
A luta pela democratização dos saberes em instituições ainda eurocêntricas não significa apenas incluir conteúdos amefricanos no currículo, mas transformar as relações de poder que historicamente definiram quais corpos, saberes e epistemologias seriam válidos. Os avanços da Lei 10.639/03 coexistem com desafios estruturais, como a falta de formação docente, a resistência institucional e os impactos do racismo estrutural. A luta pelo PNE antirracista e o reconhecimento de que "o Fundeb também é raça" demonstram a necessidade de políticas contínuas. O Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro) faz o chamamento para essa problematização.
O que é a Consciência Negra?
A Consciência Negra é o exemplo prático de uma tomada de consciência que busca resgatar a identidade e a autonomia do sujeito oprimido, rompendo com as heranças da lógica colonial eurocêntrica que fundamenta o racismo e a alienação. Evocamos as contribuições da Yabá amefricana Lélia Gonzalez, referência nos estudos sobre raça, classe e gênero. Seu pensamento ensina que o racismo é um sintoma da neurose cultural brasileira, conceito que interliga a tecnologia de poder ao sexismo e demonstra como ambos se relacionam com o passado de escravização colonial.
A Consciência Negra, na qual situamos "negro" como um devir de todos os povos oprimidos, foi defendida por Steve Biko como um movimento para combater o apartheid por meio da valorização da identidade e dignidade negra. Biko considerava a libertação mental e psicológica o primeiro passo para a libertação política. Neuza Santos (1983) questiona o que é ser "negro" e afirma que não se nasce "negro", torna-se. A Consciência Negra, enquanto processo de tornar-se negro, atesta a construção de uma identidade que é uma conquista histórica e psicológica.
Nesse sentido, ser negro não é apenas uma questão biológica, mas uma atitude mental e uma escolha ativa de resistência. A pessoa se torna negra no sentido político e social ao assumir essa identidade e rejeitar a noção de inferioridade imposta. A Lei 10.639/03 atua como ferramenta institucional, possibilitando aos estudantes um espaço para se reconhecerem em uma história ancestral, garantindo a circulação de epistemologias negras e a representatividade.
O Horizonte da Emancipação Total
Nosso horizonte se guia pelo Humanismo Radical de Frantz Fanon, que busca a total afirmação da humanidade, alienada pelo projeto de exploração colonial e racial. A emancipação total não é a igualdade racial, mas a superação do racismo e da desumanização, alcançada através da transformação radical das estruturas sociais, econômicas e psíquicas. Isso requer uma revolução que desracialize a sociedade e liberte o colonizado do fardo de se identificar com o colonizador.
Por isso, a consciência negra é todo dia. Viva Dandara, Zumbi, Lélias, Beatriz, Sankara, Angela.
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