OPINIÃO

 

Jane Farias Chagas-Ferreira é professora no Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento na Universidade de Brasília. Membra da Associação Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento - ABPD e do GT de Psicologia Escolar da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia - ANPEPP.

 

 

Marina Silva Bicalho Rodrigues é doutora em Psicologia do Desenvolvimento e Escolar pela Universidade de Brasília (UnB).

Jane Farias Chagas-Ferreira e Marina Silva Bicalho Rodrigues

 

No dia 17 de novembro, celebramos o Dia da Criatividade — uma data que costuma ser associada à imaginação, à inovação e à liberdade de expressão. Mas será que toda criação é positiva?

 

Vivemos hoje em um cenário marcado por uma policrise global, impulsionada pela intensificação da globalização e pelo avanço vertiginoso das tecnologias. Esse contexto, embora repleto de desafios inéditos, também abre espaço para novas possibilidades criativas de reinvenção social, cultural e ambiental. Diante de tamanha complexidade, torna-se urgente desenvolver não apenas resiliência, mas sobretudo a capacidade criativa de imaginar e construir alternativas que rompam com padrões insustentáveis.

 

Essa criatividade transformadora exige mais do que soluções pontuais. Ela demanda uma mudança profunda nos valores, comportamentos e estruturas sociais, desafiando a lógica de reprodução de um sistema capitalista que historicamente dissociou o ser humano da natureza. Criar, portanto, é também um ato político: é imaginar futuros possíveis, propor novas formas de viver e conviver, e reconstruir nossas relações com o planeta de maneira mais justa, solidária e sustentável.

 

Em tempos de crises ambientais, desigualdades sociais e transformações aceleradas, não basta criar. É preciso criar com consciência. A criatividade precisa de propósito. A formação de sujeitos criativos, críticos e sensíveis às questões do nosso tempo é uma das chaves para enfrentar os impactos da policrise, que já compromete a qualidade de vida em escala global. A criatividade não se limita à inovação tecnológica ou à expressão artística: ela se manifesta como ferramenta de análise, de resistência e de transformação.

 

Nem toda criação é boa

A criatividade é uma das maiores potências humanas. Ela nos permitiu sobreviver, evoluir e transformar o mundo. Mas também nos levou a construir tecnologias destrutivas, sistemas econômicos excludentes e modelos de consumo insustentáveis. A bomba atômica, por exemplo, é fruto de um pensamento altamente criativo — e, ao mesmo tempo, um símbolo de destruição. Isso vale para plásticos de uso único, algoritmos que reforçam preconceitos ou estratégias de marketing que estimulam o consumo desenfreado. Criar, portanto, não é sinônimo de melhorar. Criar sem ética é arriscar o futuro.

 

Criatividade como ferramenta de transformação

A boa notícia é que a criatividade também pode ser usada para reparar, reinventar e regenerar. Ela nos permite pensar fora da caixa, conectar ideias diferentes e imaginar soluções para problemas complexos. No campo ambiental, o pensamento criativo é essencial para desenvolver alternativas sustentáveis, reduzir impactos e promover estilos de vida mais equilibrados (RODRIGUES; CHAGAS-FERREIRA, 2023; 2024a, 2024b).

 

Criatividade não é luxo — é necessidade

Em um mundo em constante transformação, a criatividade deixou de ser uma habilidade desejável para se tornar uma competência essencial. O mercado de trabalho valoriza profissionais capazes de propor soluções inovadoras. A sociedade precisa de pessoas que saibam lidar com o novo, com o inesperado, com o desconhecido e com os riscos! A criatividade precisa ser orientada por valores. Criar com propósito é imaginar soluções que promovam a vida, a dignidade e o equilíbrio com a natureza. É pensar no coletivo, no futuro e nas consequências de cada ideia.

 

Um convite para o 17 de novembro

Neste Dia da Criatividade, convido você a refletir a partir do lema da Weta Workshop: “Be creative. Make cool things” (Seja criativo. Faça coisas legais): Use a sua criatividade para promover:

· Paz, não violência.

· Prosperidade compartilhada, não apenas lucro para poucos.

· Progresso sustentável, e não o esgotamento dos recursos naturais.

 

Criar é um ato de poder — e com ele vem a responsabilidade. Que nossas ideias sejam sementes de transformação, e que floresçam em direção a um futuro mais justo, sustentável e humano.

 

Referências

RODRIGUES, Marina Silva Bicalho; CHAGAS-FERREIRA, Jane Farias. Programas de estímulo à criatividade em escolas: uma revisão sistemática. Linhas Críticas, Brasília, v. 29, e47206, 2023.

RODRIGUES, Marina Silva Bicalho; CHAGAS-FERREIRA, Jane Farias. Por uma cultura criativamente ecológica. REMEA – Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 41, n. 1, p. 360–380, 2024a.

RODRIGUES, Marina Silva Bicalho; CHAGAS-FERREIRA, Jane Farias. Repensando a existência humana: uma visão sistêmica sobre os problemas ambientais. Revista Ponto de Vista, v. 13, n. 3, p. 01–11, 2024b.



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