Janaína Penalva
No mês de agosto desse ano, a Lei n. 11.340/2006, aprovada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, teve sua nomeação alterada para mencionar expressamente o nome da mulher que ficou paraplégica após tentativa de feminicídio pelo ex-marido. Apesar de ser amplamente conhecida pelo nome Maria da Penha, só 19 anos depois da sua aprovação o nome dessa mulher passou a integrar o texto.
Desde 2024, Maria da Penha Maia Fernandes tem sido vítima de uma campanha de ódio via redes sociais que ganha força com o documentário A investigação Paralela: o caso de Maria da Penha, produzido pelo Brasil Paralelo, em que os fatos e o julgamento do autor do crime são colocados em dúvida. Não é difícil identificar a possível prática de sistemática de cyberbulling. A partir de 2024, Maria da Penha foi incluída no programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos.
Há também uma ação civil pública proposta pela Advocacia-Geral da União contra a empresa de comunicação Brasil Paralelo por divulgar desinformação sobre o crime vivido pela Maria da Penha. Vale lembrar que, em 2001, o Brasil foi responsabilizado por negligência em relação à violência doméstica pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, a partir do caso da senhora Maria da Penha.
O que faz com que essa mulher seja novamente vítima de violência, quando um país inteiro conhece seu nome como registro simbólico da mudança social e da transformação das relações entre homens e mulheres? Por que ataques dessa proporção voltam a acontecer contra essa mulher?
A Faculdade de Direito inicia um grande projeto de pesquisa denominado Antes que aconteça, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em sete estados da federação, incluindo o Distrito Federal. O objetivo principal dos eixos temáticos da pesquisa é entender quais os constrangimentos as mulheres sofrem em relação ao acesso ao sistema de justiça e segurança pública. O que constrange as mulheres a buscarem ou não o Estado quando são vítimas de violência? Serão realizadas entrevistas em profundidade com mulheres para identificação desses constrangimentos, de forma a entender quais medidas preventivas podem funcionar para mulheres diversas.
As consequências que os agressores vivenciam como o uso de monitoração eletrônica e presença obrigatória em grupos reflexivos também serão investigados. Do ponto de vista da comunicação, um dos eixos da pesquisa é a análise das campanhas oficiais sobre violência contra a mulher, bem como as representações midiáticas sobre essa violência. No campo do trabalho e renda, a pesquisa terá um eixo que pretende compreender como as mulheres realizam o que se denomina de “empreendedorismo por necessidade” e as relações da autonomia financeira com a violência. Por fim, um dos eixos realizará uma primeira incursão no universo da violência contra meninas nas escolas.
O principal ataque que Maria da Penha Maia Fernandes vem sofrendo é a acusação de mentirosa. Seja no universo online, seja nas ruas, ela é acusada de mentir sobre a responsabilidade do ex-companheiro nos diversos atos de agressão que viveu. O que a literatura sobre o tema do acesso à justiça de mulheres em caso de violência registra é que o sistema de segurança pública, a polícia, tende a minimizar os riscos envolvidos, a adiar as providências, a não monitorar o cumprimento de medidas protetivas e, principalmente, duvidar que a mulher em situação de agressão está falando a verdade. Se a própria mulher agredida, que vive com as sequelas da violência em seu corpo, que deu nome a uma lei penal e que viu o Brasil ser responsabilidade internacionalmente pelo seu caso é uma mentirosa, então onde e com quem estaria a verdade?
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