OPINIÃO

Marutschka Martini Moesch é diretora e professora do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (CET/UnB).

Marutschka Martini Moesch

 

No dia 27 de setembro comemorou-se o Dia Internacional do Turismo, com o objetivo de sensibilizar para a importância do turismo como motor de desenvolvimento econômico, social, cultural e político em nível global. A data foi instituída em 1977 pela ONU Turismo, tendo sido celebrada pela primeira vez em 1980.

 

O turismo, enquanto fenômeno social, carrega em sua gênese uma marca de exclusividade. Surgido no final do século XIX como prática da burguesia europeia, o uso do tempo de ócio para deslocamentos e lazer era privilégio de poucos. Somente a partir da década de 1930, com o avanço das lutas trabalhistas e a consolidação de direitos como as férias remuneradas, o turismo começa a configurar-se como um direito mais universal. As leis trabalhistas, ao garantirem o descanso e o lazer, criam as condições objetivas para que o turismo se torne acessível a camadas mais amplas da sociedade. Essa trajetória histórica nos convida a refletir sobre os desafios contemporâneos da democratização do turismo e suas perspectivas futuras.

 

A mobilidade turística, antes privilégio da elite, tornou-se uma conquista das massas. As férias, as viagens e o lazer em movimento são frutos de lutas sociais e avanços trabalhistas. No entanto, essa liberdade duramente adquirida carrega um custo: o esgotamento físico e psíquico provocado pela vida moderna. O turismo, hoje, é menos expressão de um desejo genuíno de descoberta e mais uma fuga das condições opressivas do cotidiano. A sociedade capitalista, com sua racionalidade fria e funcionalização do trabalho, gera um vazio existencial que muitos tentam preencher com deslocamentos temporários. O turismo, nesse contexto, é uma tentativa de sobrevivência emocional. Cabe aos pesquisadores refletirem: o que realmente ganhamos com essa mobilidade? E o que perdemos?

 

Atualmente, a divisão territorial e social do trabalho incorpora elementos que favorecem a replicação do tempo livre, possibilitando e demandando mais trabalho, além de delinear novos territórios para uso no tempo de lazer.

 

Esse talvez seja o maior paradoxo a ser relatado: em um contexto em que é insuficiente apontar a globalização liberal como fator-chave da desestabilização dos indivíduos, é necessário considerar a excrescência do universo tecno-midiático-mercantil e o estilhaçamento dos enquadramentos coletivos, bem como a individualização da existência, que deixa os indivíduos à mercê de si mesmos. Conforme Lipovetsky e Serroy (2011), afirmamos a dádiva como necessidade da vida urbana, pois essa vida é assegurada também pelo ato de dar, receber e retribuir, sendo o território constituído por coletivizações, lutas e resistências. O espaço e o tempo turísticos permitem essa reconstrução do coletivo, da sociabilidade, da troca genuína, quando entendidos como um ecossistema humano que possibilita o encontro entre sujeitos e comunidades, sujeitos e territórios, atravessados por culturas que pulsam diversidades e acolhimento.

 

Em 2025, o tema proposto pela ONU Turismo para as comemorações é “Turismo e transformação sustentável”, sublinhando o contributo essencial do setor para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A iniciativa destaca a necessidade de:

· Promover a formação de qualidade, valorizando a educação e o desenvolvimento de competências profissionais no setor;

· Investir em infraestruturas sustentáveis, com foco na descarbonização, na transformação verde e na resiliência climática;

· Incentivar a inovação, a adoção de tecnologia e o empreendedorismo, reforçando a competitividade e a sustentabilidade da atividade turística.

 

Este dia mundial constitui uma oportunidade para refletir sobre políticas públicas, estratégias empresariais e práticas individuais que potencializem um turismo mais inclusivo, acessível e responsável, capaz de gerar impacto positivo a longo prazo para comunidades, economias locais e ecossistemas.

 

O turismo é fluxo, errância, nomadismo pós-moderno. A arte da errância segue a arte do encontro, a construção de um espaço partilhado, a realização de uma fronteira fora do espaço e do tempo cotidiano do turista. Tal encontro pode gerar conflitos por reunir diferentes, mas carrega uma saudação não beligerante — de paz.

 

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