OPINIÃO

Solange Alves de Oliveira-Mendes é professora no Departamento de Métodos e Técnicas e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Estudo e Pesquisa em Alfabetização, Letramento e Ensino (Gepalpe-CNPq).

Solange Alves de Oliveira-Mendes

 

A alfabetização se constitui num campo de estudo crucial da Educação. Especialmente no contexto brasileiro, a proposição de políticas na área se deu, sobretudo, na década de 1930, como sublinha Mortatti (2010). Entretanto, a ênfase nos estudos de larga escala reduziu o processo de alfabetização à mensuração da leitura, da escrita e do cálculo.

 

Mas a que leitura e escrita estou me reportando? Neste caso, inevitavelmente, tenho que trazer à tona que a alfabetização foi (e é) marcada por um debate sobre método(s). Autores(as) como Mortatti (2010), Soares (2017; 2020), Morais (2012) e outros(as) acentuam a disputa entre métodos sintéticos (alfabético, fônico e silábico) e analíticos (palavração, sentenciação, global), cuja base é empirista-associacionista (Morais, 2012), ou seja, considera o sujeito aprendente como uma tábula rasa, parte do princípio de que há uma relação homogênea entre letra-som, desconsidera todo o processo de (re)construção das propriedades do sistema de escrita alfabética realizada pelo estudante, reduzindo a aprendizagem da leitura e da escrita a um código de transcrição gráfica das unidades sonoras.

 

Na contramão dos métodos supracitados, Artur Gomes de Morais e Magda Soares, para citar alguns autores, defendem metodologias e métodos de alfabetização que superem os antigos e tradicionais métodos sintéticos e analíticos ainda presentes no cenário brasileiro, por meio de materiais didáticos (“novas cartilhas”), de Programas de Formação Docente.

 

Nessa breve trajetória histórica, chegamos na década de 1980 e, com ela, a entrada da Teoria da Psicogênese da Língua Escrita elaborada por Emília Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores (1985). Esta teoria se constituiu numa revolução conceitual, epistemológica, visto que conferiu ao sujeito aprendiz protagonismo em seu processo de aprendizagem. De inspiração construtivista, trata-se de uma teoria que explica como o aprendiz (re)constrói a escrita alfabética. Neste processo, percorre uma trajetória em que lança mão de várias hipóteses até alcançar a escrita alfabética.

 

No Brasil, a depender da política, do Programa de Formação Docente, do material didático adotado, das práticas didáticas e pedagógicas, posições distintas podem ser assumidas. Retomo minha posição, a seguir, mas não posso prosseguir sem sublinhar a entrada do letramento, no Brasil, na década de 1990. Este termo foi utilizado, inicialmente, por Mary Kato, por meio de sua obra No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística (1986). Desde então, vários(as) autores(as) vêm se dedicando a este campo, a exemplo de Magda Soares.

 

Ancorada nesses(as) e outros(as) autores(as), realço a minha posição como professora e pesquisadora da área, pela alfabetização numa perspectiva para o(s) letramento(s) em que, ao mesmo tempo em que o aprendiz está inserido num contexto de aprendizagem das propriedades do sistema de escrita alfabética, o faz imerso nos diversos tipos e gêneros textuais. Concordo com Morais (2012) que esse processo pode (e deve) ocorrer antes mesmo do primeiro ano do Ensino Fundamental, etapa em que, formalmente, no Brasil, a criança é introduzida no processo de alfabetização. Corroboro com a posição de que é possível (e desejável) que esse trabalho seja iniciado na transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, sem que isto signifique estabelecer uma prontidão para a alfabetização.

 

Assegurar um contexto lúdico, em que a criança esteja exposta a processos didáticos que envolvam a leitura e a escrita é fundamental, afinal de contas, ela está inserida numa cultura escrita e já interage com esse objeto de conhecimento antes mesmo da autorização da instituição educativa.

 

Por se tratar de uma área multifacetada, os desafios são inúmeros. Magda Soares (2020) enfatiza que a universalização do Ensino Fundamental não resultou, ainda, na democratização da educação. Acessar a escola, reitera a autora, não significa a garantia de um ensino de qualidade. Considerando que ao longo da história o conceito de estar alfabetizado vem sofrendo mudanças em nosso país, de modo que, atualmente, além de dominar o sistema de escrita alfabética, o aprendiz precisa demonstrar autonomia na leitura, compreensão e produção de textos de curta extensão, é crucial realizar o trabalho de alfabetização articulado aos letramentos, de modo a possibilitar, ao sujeito aprendente, interagir com as diversas linguagens, incluindo a escrita, de maneira lúdica, desde a Educação Infantil.

 

Em caráter conclusivo, penso ser importante investir na formação inicial, na área de alfabetização, propor políticas de Estado e não de governo na formação contínua de docentes, assegurar o acesso e a qualidade do ensino da leitura e da escrita, frear o avanço da iniciativa privada na educação pública, garantir, concretamente, a valorização do magistério. Com estas e outras iniciativas, acredito ser possível avançar na área de alfabetização em nosso país, garantindo, como sublinha a mestra Magda Soares: “que toda criança pode aprender a ler e a escrever”.

 

Não dá para assistir, de maneira estática, ao fracasso ainda presente em alfabetização e letramento(s) concentrado sobretudo em escolas públicas brasileiras, cuja população predominante são crianças de meios populares, que aguardam, urgentemente, uma educação de qualidade!

 

Referências

FERREIRO; Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986.

MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2012.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas públicas e seus sujeitos privados. Revista Brasileira de Educação, v. 5, maio/ago. 2010, p. 329-341.

SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2020.

SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2017



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