Kleber Silva e Cleber Ataíde
Entre os dias 5 e 8 de agosto de 2025, a Universidade de Brasília (UnB) sediou a 18ª edição do Abralin em Cena, que teve como tema “Linguagens, Raça, Gênero e Interseccionalidade em luta por direitos”. O evento reuniu conferências, minicursos, oficinas, rodas de conversa, debates, lançamentos de livros e dossiês temáticos, com a presença de centenas de pesquisadoras(es), estudantes e participantes vindos de todas as regiões do Brasil, e também do exterior. Durante quatro dias, discutimos questões centrais para a nossa área e para o país: linguagem, raça, corpo, território, direitos linguísticos e internacionais, com foco no compromisso com a justiça social.
A abertura, no Auditório da AdUnB, foi marcada pela alegria de iniciarmos mais uma edição de um dos eventos mais tradicionais da associação de linguística, num espaço tão nobre e significativo da Universidade de Brasília, que é um espaço de resistência, de celebração do conhecimento e de construções de redes plurais. Desde sua criação em 2008, o Abralin em Cena nasceu com uma missão de levar o debate sobre Linguística para todas as regiões do Brasil, especialmente aquelas que, historicamente, ficaram à margem da circulação de eventos científicos.
Esse caráter itinerante permitiu que o evento percorresse o país de Norte a Sul, fortalecendo o intercâmbio entre pesquisadoras(es), docentes, estudantes, movimentos sociais e comunidades locais. A concepção do evento traduz o compromisso da Abralin com a democratização do conhecimento, a descentralização do saber e a consolidação de redes plurais e solidárias de pesquisa e formação.
A 18ª edição do evento, realizada em Brasília, no coração político e simbólico do país, reafirmou esse compromisso. A escolha do Centro-Oeste como sede não foi aleatória: aqui se encontram o maior sítio quilombola do Brasil (Kalunga), o Núcleo Takinahaky de formação de professores indígenas, o primeiro curso de graduação em Português do Brasil como Segunda Língua e o primeiro programa de pós-graduação em Linguística do país, entre outros espaços de produção e circulação de saberes.
A temática desta edição, “Linguagens, Raça, Gênero e Interseccionalidade em luta por direitos”, dialoga diretamente com questões fundamentais da sociedade brasileira: Ciência, Educação, Cidadania e Ética. Realizar o evento em Brasília é, portanto, um gesto simbólico e político. Não se trata apenas de uma escolha logística, mas do reconhecimento da importância histórica da UnB na consolidação da Linguística no país. Afinal, foi nesta universidade que grandes nomes da nossa área, como Aryon Dall’Igna Rodrigues, Lucia Maria Pinheiro Lobato, Stella Maris Bortoni-Ricardo e Maria Marta Pereira Scherre, formaram trajetórias marcadas também pela atuação na diretoria da Associação Brasileira de Linguística. Foi a iniciativa de muitos desses que nos antecederam que hoje a Abralin se consolidou como a maior associação de linguística do país e uma das mais importante da América Latina.
Entretanto, é preciso registrar com franqueza que a presença institucional da UnB na 18ª edição do Abralin em Cena ficou aquém do esperado. Apesar de seu legado, a universidade pouco investiu na articulação e no apoio ao evento, considerando a relevância da temática e sua visibilidade nacional. Por isso, torna-se ainda mais necessário reconhecer o esforço de docentes e pesquisadoras(es) que, mesmo sem respaldo institucional pleno, se dedicaram à realização desta edição. Nosso agradecimento especial vai para Kleber Aparecido da Silva, Tamara Angélica Brudna da Rosa, Michely Gomes Avelar e para o Grupo de Estudos Críticos e Avançados em Linguagens (GECAL), cujo trabalho foi fundamental para o sucesso do encontro.
Essa edição reforçou, também, a urgência de investimentos contínuos em Ciências Humanas e Linguística. CAPES, CNPq e FAPDF precisam ampliar o fomento a pesquisas e eventos dessa natureza. Sem fomento adequado, não há grandes realizações: não formamos recursos humanos qualificados, nem realizamos eventos como este. Do mesmo modo, as universidades públicas devem assumir de forma plena esse compromisso com as ciências humanas, com a Linguística e com os debates sobre raça, gênero, sexualidades, direitos linguísticos e interseccionalidades. A UnB, em especial, precisa reafirmar-se não apenas como espaço de excelência acadêmica, mas como instituição de acolhimento, pluralidade e inovação. A pauta de raça, gênero, sexualidades e direitos linguísticos, hoje representada pela Comissão de Diversidade, Inclusão e Igualdade (CDII) da Abralin, deve ultrapassar o espaço das resistências isoladas e tornar-se política institucional estruturante.
O encerramento do evento coincidiu com um momento histórico para o país: a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, na noite anterior, resultado da atuação das instituições democráticas. Esse fato não é apenas um desfecho jurídico, mas um marco para a memória coletiva do país, e nos atravessa diretamente enquanto pesquisadoras e pesquisadores da linguagem. Sob seu governo, testemunhamos a disseminação de discursos de ódio contra negros, mulheres, indígenas e a população LGBTQIAPN+, ataques às Ciências Humanas, o desmonte da educação pública e tentativas deliberada de silenciar a diversidade linguística, cultural e epistêmica do Brasil.
Esse dia não poderia ser mais simbólico para todos nós pesquisadores das ciências da linguagem com a realização da 18ª edição do Abralin em Cena em Brasília. A Linguística desempenha papel essencial na análise e no enfrentamento dessas formas de violência discursiva. É por isso que a luta por direitos, atravessada por raça, gênero, sexualidade, classe e território, também passa pela linguagem. O que vivemos entre 5 e 8 de agosto de 2025, durante todo o encontro, reafirma nosso projeto coletivo de um país mais justo, mais diverso e comprometido com a dignidade humana.
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