OPINIÃO

Eduardo Bessa Pereira da Silva é professor da Faculdade UnB de Planaltina. Redige o blog Ciência à Bessa na rede Scienceblogs Brasil e é membro do comitê educacional da Animal Behavior Society.

Eduardo Bessa Pereira da Silva

 

Alimentar os peixes é uma prática comum em algumas praias e pode ser uma forma de aproximar os turistas da fauna aquática, mas também tem impactos sobre esses animais. Pesquisadores brasileiros demonstraram que a rede de interações alimentares fica empobrecida e mais instável quando turistas dão comida aos peixes.

 

O estudo, publicado no Journal of Ecotourism, foi conduzido por pesquisadores do Serviço Florestal Brasileiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB). A equipe investigou os efeitos da alimentação suplementar por turistas na estrutura da rede trófica do peixe Haemulon aurolineatum (popularmente conhecido como xira), comum em recifes de coral do Nordeste brasileiro.

 

A grande inovação do trabalho foi analisar as interações ecológicas não no nível das espécies, como é mais comum, mas no nível de cada indivíduo. “Indivíduos de uma mesma espécie podem apresentar grande variação entre si no uso de recursos, o que reflete na maneira como as redes alimentares são estruturadas”, ressaltou a Prof. Míriam Albrecht (UFRJ) a respeito dessa abordagem. Os pesquisadores compararam a dieta de peixes de uma área com alta atividade de alimentação por turistas (no recife de Maracajaú, RN) com a de peixes de uma área controlada sem essa prática (recife de Rio do Fogo, RN).

 

Ao analisar o conteúdo estomacal de cada peixe, a equipe construiu redes complexas que mapeavam quais itens alimentares cada indivíduo consumia e em que quantidade. Essa abordagem individual permitiu detectar mudanças sutis na estrutura e na função da rede alimentar que passariam despercebidas em análises tradicionais. Os resultados foram claros e impactantes. Na área natural, os peixes consumiram 21 itens alimentares diferentes. Na área com turistas alimentando os peixes, a dieta caiu para apenas 10 itens, dominada por alimentos baseados em amido (pão/biscoito).

 

A rede alimentar na área com alimentação suplementar se mostrou menos organizada em subgrupos e menos especializada. A rede também exibiu maior sobreposição de nicho, os peixes passaram a comer todos a mesma coisa, e se mostrou menos robusta a perturbações, como o desaparecimento de um item alimentar. A alimentação suplementar homogeneíza a dieta. Os peixes deixam de ser indivíduos com hábitos únicos para se tornarem consumidores de um recurso fácil, oferecido pelo turista. Isso simplifica a rede trófica e a torna estruturalmente mais frágil.

 

A pesquisa vai além de mostrar que dar comida aos peixes é prejudicial. Ela revela como e porque essa prática é impactante, afetando a complexidade das interações ecológicas que sustentam a saúde do ecossistema recifal. A fragilidade da rede significa que uma perturbação, como a escassez do pão oferecido ou a perda de um recurso natural chave, pode ter efeitos em cascata mais severos. Nesse sentido, é importante compreender esses mecanismos em nível de rede para antecipar as consequências ecológicas e apoiar práticas mais sustentáveis ​​no turismo de natureza. Os resultados sugerem que o manejo de atividades turísticas deve considerar a limitação ou regulação da alimentação suplementar para minimizar a ruptura ecológica.

 

O trabalho destaca a importância de equilibrar a experiência turística com a conservação, propondo que o simples ato de observar a natureza, sem interferir nela, pode ser uma forma mais sustentável e igualmente prazerosa de ecoturismo.

 

* Essa pesquisa foi conduzida por Lucas Del Bianco Faria, Míriam Pilz Albrecht, Fernanda Silva & Eduardo Bessa (24 Aug 2025): Supplementary feeding by tourists on coral reef fish alters individuals’ role and impacts network structure, Journal of Ecotourism, DOI: 10.1080/14724049.2025.2547775

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