OPINIÃO

Gabriel Dorfman é professor do Departamento de História da Arquitetura e do Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Doutor em Arquitetura pela Technische Universität Berlin.

Gabriel Dorfman

 

No setor de publicações de arte e arquitetura, existe uma categoria que tende a exercer uma influência negativa sobre o desenvolvimento e a difusão de conhecimento especializado e profissional: o livro de sala de espera.

 

Livros de sala de espera caracterizam-se, em geral, pela profusão de ilustrações e pela indigência dos textos (ou sua total ausência); são abundantes nos ramos da arte e da arquitetura por motivo óbvio: arte e arquitetura vivem basicamente do sentido da visão.

 

Livros de sala de espera equivalem à “música-ambiente”, usada para aliviar tensão nos elevadores e corredores de supermercados (e/ou para prover cabines sanitárias de uma cortina sonora); eles equivalem, também, às revistas ilustradas que povoam as salas de espera com suas fotos de famosa/os a ostentar prosperidade, sorrisos estereotipados e semblantes muitas vezes desfigurados por cirurgias plásticas e aplicações de toxina botulínica (ou similares).

 

Tal como os exemplares desse gênero extremamente bem-sucedido do mercado editorial, livros de sala de espera prestam-se ao folhear leviano e desatento, cuja única função é manter em níveis suportáveis a expectativa da espera (“Será grave, minha doença?”; “Vai doer, a extração? “É imprescindível, o toque?”).

 

Livros de sala de espera tendem a ser encarados como objetos inofensivos, mas não o são. Eis alguns de seus efeitos negativos para a cultura arquitetônica:

 

1. Contribuem para disseminar um preconceito generalizado de que arte e arquitetura são áreas de um conhecimento superficial, carente de densidade e de saber técnico aprofundado.

2. Consomem recursos que poderiam ser canalizados para publicações sérias (especialmente recursos PÚBLICOS, pois, frequentemente, são editados com meios oriundos de incentivos fiscais, que poderiam bancar obras capazes de contribuir ao aprofundamento de conhecimento técnico sólido).1

3. Trazidos ao mundo para serem presenteados nas festas de fim de ano, contribuem para o aumento da quantidade de lixo sobre a Terra, estando, a priori, condenados a rapidamente fazer companhia aos seus semelhantes nas prateleiras mais recônditas dos sebos, localizadas em subsolos poeirentos, verdadeiros criadouros de microrganismos causadores de doenças respiratórias graves.

 

No campo da arquitetura, há certas características das publicações que as tornam facilmente identificáveis como “livro de sala de espera”:

 

1. Carência (ou total ausência) de desenhos técnicos e/ou desenhos “técnicos” sem qualquer indicação de escala;

2. Ilustrações gratuitas e inúteis, na medida que não informam NADA sobre os objetos descritos2, mesmo quando são belas e bem produzidas.

3. Incoerência no tratamento de diferentes objetos observados (ou seja, obras construídas): enquanto em alguns abundam as ilustrações e as informações (inclusive com desenhos técnicos), em outros, há uma carência extrema, limitando-se, não raro, a um punhado de ilustrações sem sentido ou significado e, muitas vezes, sem uma identificação precisa. Para a divulgação de um conhecimento objetivo e útil, tal disparidade é extremamente prejudicial, por inviabilizar algo essencial na literatura técnica: a comparação entre diferentes objetos.

 

Resumindo: livros de sala de espera sugam recursos e contribuem para ampliar uma cultura superficial, povoada por imagens vazias e pela cultura de almanaque; contribuem, portanto, para agravar o generalizado declínio da cultura arquitetônica no Brasil.

 

Referências

1. Em Brasília, dada a profusão de órgãos públicos ali existentes, livros de sala de espera são, provavelmente, publicados com frequência superior à de outras cidades do país.

2. Exemplos: em uma publicação sobre fazendas do século XIX no Brasil, fotos de carruagens e carroças; em uma publicação sobre paisagismo e jardins, fotos ampliadas de flores, insetos e/ou de canteiros que nada esclarecem sobre a dimensão propriamente ARQUITETÔNICA do objeto retratado.

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.