Kleber Aparecido da Silva
Em meio a ventos científicos oriundos do Norte Global que refletem uma forma de (re) pensar às vezes acrítica e um agir colonial, a Linguística (Aplicada) brasileira desde a sua implementação no Brasil como ciência ou campo dos saberes, tem mantido já por anos uma perspectiva, a meu ver, estrutural, restrita e circunscrita em uma concepção estrutural è as vezes apenas discursiva de língua(gem). Isto tem, a meu ver, sido verbalizado tanto no âmbito falado quanto no escrito por pesquisadores/as em instâncias científicas que mantém e legitimam esta forma de (re)pensar. Longe de eu criticar esta perspectiva de pensar/agir, me proponho neste artigo a problematizar esta forma de agir e de fazer ciência na escola.
As nossas Associações Científicas, tais como a “Associação Brasileira de Linguística” (ABRALIN), “Associação de Linguística Aplicada do Brasil” (ALAB), “Associação Internacional de Linguística Aplicada” (AILA) e a “Associação Latino-Americana de Estudos do Discurso” (ALED), só para citar algumas, tem feito esforços hercúleos visando popularizar a Linguística e a Linguística Aplicada no Brasil, reafirmando assim uma posição vanguardista e até certo ponto “futurista” ao assumir um compromisso com e para a sociedade/escola, contribuindo assim para a justiça social por meio da democratização. E quando se faz isto democratiza-se o acesso aos conhecimentos científicos, ao mesmo tempo que fomenta e inspira novos linguistas aplicados para adentrar em uma campo ainda tão desafiador que é o da Linguística Aplicada.
Mas o que é Linguística? O que é Linguística Aplicada (Crítica)? Aliás, o que é “fazer Linguística Aplicada (Crítica)”? O que faz um cientista da língua(gem) na escola?. Enquanto muitos se preocupam no “ser” cientista, eu tenho me preocupado em “fazer” ciência na escola. Entre outra palavras, “fazer linguística aplicada (crítica)” é para mim contribuir de forma efetiva com a circulação do conhecimento (re)construído em nossas escolas/universidades com uma linguagem que a sociedade, de uma maneira geral, possa nos compreender. Não se faz ciência sem sociedade e sem estabelecer diálogos com ela. Contudo, por várias décadas, e ainda hoje, há pesquisadores/as filiados/as a campos específicos da Linguística Aplicada brasileira que tem como objetivo principal apresentar, discutir e problematizar questões de língua(gem), a partir de epistemologias e ontologias que muitas pessoas da sociedade não compreendem, e que refletem, a meu ver, um fazer/pensar/agir do Norte Global.
Percebo, sinto, vivencio e reajo desde o momento que ingressei na Universidade de Brasília (UnB) em 2009 e também nas “peregrinagens” e “andarilhagens” experiências e documentadas em livros publicados pela Editora Mercado de Letras – Coleção Estudos Críticos em Linguagens, um movimento no qual tem sido caracterizado na literatura acadêmico-científica como “Sul Global” (Global South), que se alinhavam a uma perspectiva decolonial de (re)construção e disseminação dos conhecimentos. Corroboro com o linguista aplicado (crítico) indiano Kanavillil Rajagopalan, da Unicamp, quando nos sinaliza e nos alerta de que o colonialismo foi muito mais que um capítulo macabro na história da humanidade, onde um grupo de nações europeias se auto outorgaram o direito de se lançar numa aventura predatória rumo a distantes povos da África, Ásia e América Latina e submetê-los a inomináveis iniquidades e humilhações, sugando impiedosamente suas riquezas e deixando-os na penúria e total desamparo. O colonialismo tomou conta da mente dos povos e adiciono também da mente de muitos linguistas dentro do regime de escravatura (muitas vezes disfarçado com outros nomes e eufemismos engenhosos) a que os conquistadores os submeteram na sua incansável procura por bens alheios, movida pela ganância e delírio desmedido de sua suposta superioridade moral e intelectual. E a sequela mais gritante e danosa dessa lavagem cerebral a que os povos dominados foram submetidos leva o nome de colonialidade.
Em síntese, o que eu senti ao ler as “peregrinagens” e “andarilhagens” dos/as pesquisadores/as presentes na Coleção “Estudos Críticos em Linguagens”/Mercado de Letras, possibilita-me a visibilização e a (re)construção de perspectivas outras e teorizações decoloniais que sejam (re)construídas a partir dos diálogos e debates, a partir de perspectivas contemporâneas, plurais e críticas; trazendo assim também as vozes subalternizadas e/ou dos periféricas, conforme já pontuava Spivak (1985). O conceito de subalterno desempenha uma função estratégica na argumentação de Spivak. Trata-se de um conceito originado na reflexão de Antonio Gramsci sobre a questão do Sul e que, no contexto indiano, foi adaptado pelo Subaltern Studies Group, de inspiração marxista, a que Spivak esteve associada, mas do qual viria a demarcar-se. Entre outros aspectos desta demarcação, a crítica desconstrutivista à noção de sujeito desempenhou um papel fundamental: o subalterno/a - subalterna definem-se, não enquanto classe, no sentido marxista convencional, mas sim pela posição não-hegemônica que ocupam no seio das relações de poder.
Sendo assim, que nós, ao lermos, ao nos encantarmos e nos afetarmos (no sentido de afetar para ação) como pesquisadores/as da linguagem na escola, possamos, a partir de uma perspectiva democrática, agentiva e decolonial, (re)ouvir as vozes das comunidades que foram minoritarizadas e que foram colocadas sempre à margem do saber acadêmico-científico, aliás, estão e continuam bem longe da Universidade. Sendo assim a questão que urge responder/problematizar neste artigo é: Fazer Linguística (Aplicada) é fazer o quê? Fazer Linguística (Aplicada) para mim é muito mais do que descrever a(s) materialidade(s) da língua(gem). Para mim fazer Linguística (Aplicada) é fazer pesquisas inter/trans/multidisciplinares, propositivas, críticas e decoloniais, pesquisas outras como as apresentadas, problematizadas e discutidas em livros presentes na nossa Coleção “Estudos Críticos em Linguagens”/Mercado de Letras, e que, certamente poderão trazer contribuições significativas para a sociedade e para a escola/comunidade, a partir de um pensar glocal e um agir global, alicerçados em uma perspectiva insurgente, emancipatória e crítica para/na escola brasileira.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. Pedagogia da esperança. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1994.
______. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
RAJAGOPALAN, K. Prefácio. In: SILVA, K. A.; COBUCCI, P. (Orgs). Perspectivas Decoloniais nos Estudos da Linguagem. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 09-14, 2025.
SPIVAK, G. C. Pode o subalterno falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010 [1985]. Tradução do original em inglês: Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira Feitosa.
ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.