Otávio de Tolêdo Nóbrega
Em tempos de Conferências dos Direitos da Pessoa Idosa, nunca foi tão oportuno discutir políticas públicas para um envelhecimento digno e participativo. E, nesse contexto, cabe lembrar que o número de pessoas com demência ultrapassará 150 milhões em 2050, sendo o Brasil um dos países mais impactados. Atualmente, cerca de 1,7 milhão de brasileiros vivem com algum tipo de demência, e a cada ano surgem 100 mil novos casos. Apesar dos números alarmantes, o cuidado segue fragmentado, subfinanciado e, em grande parte, delegado às famílias.
Em 2024, o país deu passos importantes ao aprovar dois marcos legais que recolocam o cuidado no centro da agenda pública. A Lei nº 15.069/2024, que institui a Política Nacional de Cuidados, reconhece o cuidado como direito humano e propõe sua oferta como responsabilidade compartilhada entre Estado, famílias e sociedade. A política enfatiza a intersetorialidade entre saúde, assistência social, educação e trabalho, além de propor a valorização do trabalho de cuidadores, formais e informais.
De forma complementar, a Lei nº 14.878/2024 criou a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Demência, estabelecendo diretrizes para o diagnóstico precoce, o tratamento contínuo, a reabilitação e o apoio psicossocial às famílias. A nova política exige a capacitação de profissionais da atenção primária e a articulação de redes comunitárias de apoio, além de prever estratégias para garantir autonomia, dignidade e qualidade de vida às pessoas afetadas.
Ambas as políticas representam avanços inegáveis no plano normativo. No entanto, a implementação concreta desses dispositivos enfrenta sérios desafios: falta de recursos financeiros, carência de profissionais qualificados, ausência de planos locais estruturados e escassa articulação entre os setores. As redes públicas de saúde e assistência ainda operam com baixa integração e pouca especialização no cuidado à pessoa com demência. Enquanto isso, os cuidados informais seguem invisíveis, recaindo quase sempre sobre as mulheres da família, que sobrevivem sem apoio técnico, financeiro ou emocional.
Mais que um avanço legal, essas políticas exigem compromisso institucional contínuo com o cuidado, enquanto bem público. É hora de sair do papel e entrar nos territórios, e de transformar diretrizes em ações, discursos em orçamentos, e famílias exaustas em sujeitos de direito. Afinal, cuidar de quem cuida e garantir dignidade a quem envelhece com demência é, hoje, um dos maiores testes de civilidade do nosso tempo. Neste sentido, será realizado, entre 29 e 31/7/2025, o Seminário Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, evento organizado pelo Núcleo de Envelhecimento Humano da Universidade do Estado do Rio de Janeiro que, com o apoio da Faperj, CNPq e Ministério da Saúde, reunirá especialistas, pesquisadores, profissionais e discentes na área para troca de experiências e proposição de estratégias para implementação progressiva das políticas de cuidados no país. O evento será híbrido, contando com transmissão on-line das mesas e minicursos.
Recomendo a participação de todos os interessados na temática.
Acesse aqui a programação do evento.
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