OPINIÃO

Marta Adriana Bustos Romero é professora emérita e pesquisadora sênior da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (FAU/UnB).

 

Marta Adriana Bustos Romero

 

O Parque Ecológico Burle Marx (PEBM) e o Parque da Cidade compõem uma longa faixa verde no sentido norte-sul. Lucio Costa, no memorial para o Plano Piloto de Brasília, refere-se às duas grandes áreas verdes como "pulmões", na medida em que foram simetricamente dispostas em relação ao Eixo Monumental e representam, assim, áreas de respiração para a cidade. De fato, a sua existência e localização reforçam a solução linear do Plano Piloto, margens verdes que garantem a forma urbana proposta para a cidade. O parque no sul é dedicado a várias formas de lazer da cidade, e o no norte seria dedicado a formas de lazer informativas e formativas, para ampliação da consciência ambiental.

 

Desde 2009, a sociedade civil se organiza e cria, para a implantação do PEBM, o Grupo Amigos do Parque Ecológico Burle Marx — posteriormente transformado em Grupo de Trabalho (GT). Em 2016, há a formalização dessa iniciativa e a transformação do GT em Conselho Gestor do PEBM recategorizado, passando de "uso múltiplo " para "ecológico".

 

O Parque Ecológico Burle Marx vincula-se a um sistema de parques de Brasília como elemento de conexão entre os espaços livres urbanos e as grandes áreas de preservação das bases naturais regionais da paisagem e, consequentemente, a preservação das ambiências preexistentes. A adequada concepção e a gestão desse parque demandam sua compreensão como valioso remanescente urbano do Cerrado brasileiro, área de preservação ambiental e corredor ecológico complementar ao Parque Nacional de Brasília. Conjuntamente, precisam ser consideradas suas feições de equipamento urbano de importância regional inserido em uma área tombada e de usufruto imediato da cidade. Para tanto, existe desde 2019 minuta pronta para concurso Público Nacional de Arquitetura e Paisagismo.

 

O olhar pede o atendimento das necessidades de funcionalidade, conectividade e sustentabilidade no projeto do PEBM. Quer dizer: criar com o parque uma "infraestrutura" verde, uma rede contínua de corredores verdes, onde ocorram as funções ecológicas, a circulação de água, a paisagem e elementos culturais, propiciando áreas verdes que desempenhem um papel fundamental para a qualidade de vida do brasiliense, tornando a cidade mais resiliente.

 

Para o PEBM, devem ser concebidos espaços integrados de características ecológicas e urbanas, que promovam recreação, encontros e educação ambiental e permitam desenvolver atividades de baixo impacto, percursos perimetrais, percursos d'água, pessoas e vegetação, que acompanhem a geometria existente. Pode ser explorado o bioma como um laboratório natural, integrado às atividades de ensino superior, ou promovendo a aproximação da educação infantil aos ensinamentos de caráter ecológico. As mudanças no uso do solo são muito significativas para as tendências de aquecimento, e esse panorama exige novo olhar para conservação e preservação da paisagem e espaço verde do PEBM, área inserida no bioma Cerrado que já está se tornando mais seco, reforçando o estabelecimento de corredores ecológicos, visando à mitigação da paisagem excessivamente urbanizada, e ao controle térmico de áreas urbanas para evitar ilhas de calor.

 

Assim, seu projeto deveria agregar valor ao espaço público e ao tecido do Plano Piloto, e seus percursos deveriam promover condições de orientabilidade utilizando elementos de paisagismo, arquitetura e programação visual, criando espaços com significado e intenção. Qualquer proposta de plano de ocupação ou estudo preliminar de projeto tem por obrigação observar o que foi definido no plano de manejo (PM) do parque, elaborado a partir de levantamentos técnicos e análises aprofundadas. Mas o projeto desenvolvido pela Terracap para encerrar demanda judicial, ao arrepio do que define o PM, propõe via em trincheira atravessando ao meio o PEBM no sentido transversal, quando indica ser "proibida a instalação de vias que atravessem o parque". No PEBM a circulação de veículos motorizados se daria exclusivamente por meio de um anel viário perimetral" (Resolução No 1, de 19 de julho de 2022).

 

Ao mesmo tempo, o Plano de Ocupação apresentado pela Terracap ao Conselho Gestor define diversas áreas para instalação de "ilhas de equipamentos", intensificando os usos e as intervenções físicas em um local que tem como característica principal a necessidade de preservação ambiental. São propostas ilhas de esporte e lazer, que irão comprometer a integridade dos recursos naturais, tais como skate park, pista de BMX e velódromo, que serão fontes importantes de ruídos e resíduos; anfiteatro e pavilhão de eventos; praça multiúso para feiras e exposições; restaurantes e áreas de concessões. Dificilmente, essas instalações poderão atender ao disposto no Plano de Manejo, que, nos seus artigos 12 e 13, dispõem que as zonas de uso público objetivam facilitar a recreação e a educação ambiental em harmonia com o meio ambiente e que as atividades previstas devem levar o visitante a entender a filosofia e as práticas de conservação da natureza.

 

Esses impeditivos legais foram sumariamente suprimidos pela nova norma publicada ao final de 2024, sem qualquer comunicação ao Conselho Gestor, com o claro intuito de implantar o projeto da Terracap e, principalmente, a via de ligação que partirá o PEBM ao meio, na contramão da harmonia solicitada — em que infraestruturas a serem instaladas deverão estar integradas ao ambiente, utilizando tecnologias apropriadas para áreas naturais. Nesse sentido, questiona-se como atividades altamente poluidoras se relacionam com o disposto e podem vir a ser parte dos "pulmões" sonhados por Lucio Costa que deveriam desempenhar um papel vital na nossa sobrevivência, articulando com a estrutura urbana existente, estabelecendo uma ligação perceptiva física com os grandes marcos referenciais do Plano Piloto Patrimônio da Humanidade.

 

Publicado originalmente, em 17 de junho, no portal Correio Braziliense.

 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.