OPINIÃO

Kleber Aparecido da Silva é professor do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas e do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Estudos Críticos e Avançados em Linguagens (GECAL) e o Laboratório de Estudos Afrocentrados em Relações Internacionais da UnB (LACRI). É bolsista de produtividade em pesquisa pelo CNPq – 2A.  kleberunicamp@yahoo.com.br | kleberaparecidodasilva@gmail.com

Kleber Aparecido da Silva

 

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)

 

Muitas alunos/as que eu tenho tido e com os quais tenho mantido contato nas escolas públicas e particulares/internacionais em Brasília e em outros estados afirmam que sofrem bullying e/ou racismo diariamente. O que fazer para ajudá-los/las? Daniel Bento Teixeira, Professor e Diretor-Executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), escreveu um artigo intitulado Bullying e Racismo: é preciso nomear para enfrentar, e, neste texto, o autor apresenta reflexões aprofundadas e problematiza e desmistifica a visão que muitos têm de que bullying e racismo sejam sinônimos. Para o autor, “(...) embora possam se manifestar de forma parecida no cotidiano escolar, suas causas e consequências são diferentes — e entender isso é essencial para construir uma escola mais justa”.

 

O bullying e o cyberbullying, agora tipificados como crime pela Lei 14.811/2024, são práticas reiteradas de agressão entre pares. Contudo, no contexto jurídico brasileiro, o racismo é definido como uma prática discriminatória baseada em critérios raciais, étnicos ou religiosos que atingem a dignidade da pessoa humana e pode configurar crime. O racismo envolve a discriminação, humilhação, insulto ou violência com base em características raciais, étnicas ou religiosas, e tem punição prevista em lei.

 

No Brasil, isso significa que crianças e adolescentes negros/as enfrentam obstáculos históricos para o exercício pleno de seus direitos, porque o Brasil foi último país do Ocidente a abolir a escravidão e talvez um dos últimos a (re)pensar em praxiologias decoloniais (re)construídas a partir de uma educação antirracista. Agora, no que tange ao bullying e à sua interface com o racismo, essa desumanização começa cedo, como mostra o uso ainda comum do termo “menor”, resquício do antigo Código de Menores, que penalizava a pobreza e que ainda molda o ideário social e a forma como crianças negras são vistas — inclusive nas escolas.

 

Daniel Bento Teixeira enfatiza que é “(...) urgente dar efetividade às leis já existentes. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preveem a proteção integral e a prevenção de violências. Já a Lei 10.639/03 determina o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Iniciativas como o Projeto de Lei 4.403/2023, da Senadora Teresa Leitão, que propõe a criação de protocolos escolares para casos de discriminação, são bem-vindas. As legislações, no entanto, seguem sendo ignoradas ou aplicadas de forma insuficiente. Nenhuma lei será efetiva sem o engajamento de toda a comunidade escolar. Conselheiros tutelares, professores, gestores e famílias precisam estar preparados não apenas para reagir a casos de violação de direitos, mas para impedi-los, assegurando os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes”.

 

Precisamos deixar para trás a ideia de que certas leis “não pegam” porque tratam de temas que envolvem a população negra. Precisamos abandonar a prática histórica de legislar apenas “para inglês ver”, expressão que remete às leis abolicionistas criadas sob pressão dos ingleses, mas sem real compromisso com a transformação social.

 

É hora de garantir que as escolas e também as universidades sejam, de fato, espaços de aprendizado, cuidado e respeito às diversidades. Enfrentar o bullying e o racismo exige coragem, escuta e ação coletiva. E essa transformação começa pelo reconhecimento das desigualdades estruturais que ainda persistem.

 

Então o que fazer se você estiver sofrendo bullying? Segundo pesquisas realizadas na área de Educação e de Psicologia Cognitiva/Social, mais da metade de todas as vítimas de bullying e racismo não contam para ninguém, talvez por vergonha (especialmente no caso dos rapazes) ou por medo de vingança. Mas lembre-se de que os/as intimidadores/as esperam que você não conte para ninguém. Assim, esse pode ser o primeiro passo para dar fim ao pesadelo. E se você estiver sofrendo bullying e/ou racismo na e/ou fora da escola, busque ajuda, pois os/as que estiverem à sua volta certamente poderão ajudá-lo/la a recuperar a sua autoestima e a transpor este obstáculo que tem sido posto ao redor de várias crianças e adolescentes no Brasil. Ecoando Angela Davis “ (...) numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” (Ênfase adicionada). Pense nisto!

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