OPINIÃO

Pio Penna Filho é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Atua nas áreas de História, Relações Internacionais e Segurança Internacional, nos temas: em América Latina e África. 

Pio Penna Filho

 

Era realmente só o que faltava. Donald Trump, sem nenhuma prova concreta, resolveu acusar o governo da África do Sul de estar cometendo um genocídio contra os remanescentes dos africânderes. Africânderes, ou bôeres, conformam um grupo de brancos de origem europeia que foram para a antiga colônia do Cabo enquanto essa era ainda território holandês no que é hoje a região da Cidade do Cabo, localizada na África do Sul.

 

Surreal é uma palavra que se refere a estranheza, à imaginação, algo realmente absurdo, descolado da realidade. Essa expressão é quase exata para expressar as loucuras mentais do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ou ele é realmente uma pessoa “surreal”, ou é um indivíduo completamente sem noção, como diriam os mais jovens atualmente.

 

Não faz o menor sentido pensar num genocídio contra brancos num país no qual os brancos detêm a maior parte das terras férteis e do controle do capital, em todos os sentidos. Ainda mais num país em que, durante décadas, prevaleceu o odioso regime do apartheid, em que os negros, mestiços e asiáticos eram discriminados em praticamente todos os campos da vida, seja na economia, na sociedade, na política, na cultura etc.

 

Parece que Donald Trump, inspirado ou orientado por Elon Musk, um branco sul-africano que se beneficiou da exploração de todos os outros sul-africanos não brancos, sobretudo dos negros, escolheu a dedo um país para canalizar toda a sua ira.

 

Enquanto Trump decidiu expulsar dos Estados Unidos imigrantes de diversos países, inclusive do Brasil, num relance de pura arrogância, resolveu sair por aí dizendo que os brancos sul-africanos estão sendo assassinados pelo governo do país. Santa ignorância. Ou muita má-fé. Das duas, uma. Nada disso está acontecendo na África do Sul.

 

Aliás, até seria realmente interessante se os brancos estivessem, de fato, passando por políticas de confisco de bens que foram tomados por meio de muita violência contra as populações autóctones da África do Sul. Mas isso não está acontecendo e nunca aconteceu. Não é à toa que a maior parte da população branca da África do Sul nunca quis abandonar o país. Eles permanecem por lá.

 

Não é mentira que exista muita violência no país. A África do Sul, como o Brasil, é um país muito desigual. Poucos ricos e muitos pobres. Essa é uma característica que sucessivos governos do Congresso Nacional Africano, o partido que está no poder desde a eleição de Nelson Mandela, em 1994, não conseguiu resolver ou, sequer, encaminhar de uma maneira mais abrangente.

 

A população branca também sofre as consequências desse quadro amplo de violência, mas é importante notar que os índices indicam que os negros continuam sendo as principais vítimas desse estado de coisas.

 

O governo norte-americano, influenciado por Elon Musk, segue em rota de colisão com a comunidade internacional e com princípios básicos dos direitos humanos ao disseminar mentiras como essa do genocídio sul-africano e, ao mesmo tempo, encobrir um verdadeiro genocídio que está em andamento contra o povo palestino na Faixa de Gaza.

 

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