OPINIÃO

Carla Sabrina Xavier Antloga possui pós-doutorado em Psicologia pela USP, com estágio técnico no Conservatoire d'Arts et Metiers, Paris. É professora e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da UnB. Coordenadora do Grupo de Estudos em Psicodinâmica do Trabalho Feminino - Psitrafem. Mãe de dois meninos, de 14 e 5 anos. Criadora de conteúdo digital sobre feminino e trabalho em @antloga @psitrafem

Carla Antloga

 

No Dia do Trabalho, além de tratar de conquistas históricas, precisamos também olhar para as contradições de um sistema que glorifica o trabalho, mas precariza seus agentes mais essenciais: os trabalhadores, e mais ainda as trabalhadoras. Nas universidades brasileiras, pesquisadoras e professoras enfrentam o desafio de produzir conhecimento em condições adversas e a de lutar contra estruturas que insistem em invisibilizá-las. 

 

Estudos indicam que a academia é um ambiente de exigências brutais: pressão por publicações, captação de recursos, orientação, aulas e burocracias intermináveis. Para as mulheres, soma-se a isso ao trabalho de cuidado que recai sobre nós e as expectativas relacionadas a isso inclusive nas relações socioprofissionais: de nós, é esperada mais gentileza, mais trato com os alunos, mais cuidado com as palavras. Sobre nós recaem cargos que implicam lidar mais com pessoas e com situações que nos demandam mais custo afetivo. Muitas vezes, os temas de pesquisa que nos são caros encontram muita dificuldade para serem publicados, também porque nossos pontos de vista podem ser bem diferentes dos mais clássicos: evidências indicam que artigos assinados por mulheres são menos citados, que elas recebem menos financiamento e que suas vozes são frequentemente silenciadas em comitês científicos. Em outro ponto, temos aspectos biológicos que afetam exclusivamente os nossos corpos ao longo de toda a nossa carreira: menstruação, gravidez, puerpério, amamentação, perimenopausa e menopausa.  Entretanto, sabemos que equidade de gênero na ciência não é um luxo, é uma necessidade. 

 

Especificamente no Brasil, esse cenário é agravado por cortes crônicos em educação, pela desvalorização salarial e pela romantização do "sacrifício acadêmico" que, combinada com a ideia de que mulheres nasceram para cuidar, piora bastante o cenário para as mulheres. Professoras e pesquisadoras são tratadas como missionárias, não como trabalhadoras. E quando falamos de mulheres negras, indígenas ou LGBTQIA+, a exclusão é ainda mais perversa. 

 

Podemos pensar que a crise que vivemos é um acidente, mas, olhando com cuidado, ela se parece mais com um projeto. Enquanto países investem em ciência como alavanca do desenvolvimento, o Brasil trata suas universidades como gasto, não como investimento. A fuga de cérebros, por exemplo, é sintoma de um sistema que prefere exportar talentos a valorizá-los. E as pesquisadoras, especialmente nas áreas de humanas e sociais — justamente aquelas que questionam as desigualdades —, são as primeiras a serem chamadas de "improdutivas" quando o orçamento aperta. 

 

A pandemia escancarou isso: foram cientistas (muitas delas mulheres) que desenvolveram vacinas, produziram dados sobre isolamento e combateram negacionismos. Quantas estavam cozinhando, cuidando dos filhos, dos doentes, dos idosos, dando consolo e colo para colegas de trabalho enlutados, dividindo atenção entre artigos científicos e aulas remotas, sem auxílio de creches ou políticas de saúde mental? 

 

Mas, então, não sobra nada para celebrar nesse 1º de Maio? Mais que celebrar, o que precisamos é exigir que haja salários dignos e compensação adequada para as pesquisadoras que se tornam mães; é planejar cotas em editais, licenças maternidade reais (onde não recebamos ligações do tipo “eu sei que você está de licenças, mas...”) e combate ao assédio, entre outros. 

 

Incluir efetivamente as mulheres na academia e tratar nosso trabalho com a devida valorização não é um favor, e, portanto, é preciso que se reconheça que nosso trabalho, nossas contribuições e nossos pontos de vista não são supérfluos, mas, sim, fundamentais para tornarmos nosso planeta um lugar mais justo e melhor para se trabalhar e para se viver.

 

Referências

Cui, R., Ding, H., & Zhu, F. (2022). Gender inequality in research productivity during the COVID-19 pandemic. Manufacturing & Service Operations Management, 24(2), 707-726. 

Santos, J. M., Horta, H., & Amâncio, L. (2021). Research agendas of female and male academics: a new perspective on gender disparities in academia. Gender and education, 33(5), 625-643. 

Staniscuaski, F., Kmetzsch, L., Soletti, R. C., Reichert, F., Zandonà, E., Ludwig, Z. M., ... & De Oliveira, L. (2021). Gender, race and parenthood impact academic productivity during the COVID-19 pandemic: from survey to action. Frontiers in psychology, 12, 663252. 

Tao, Y., Hong, W., & Ma, Y. (2017). Gender differences in publication productivity among academic scientists and engineers in the US and China: similarities and differences. Minerva, 55, 459-484. 

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