OPINIÃO

Sébastien Olivier Charneau é professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília, líder do grupo Patogênese Molecular no laboratório de Bioquímica e Química de Proteínas. Possui doutorado em Biologia Molecular e Celular dos Protozoários pelo Muséum National dHistoire Naturelle de Paris.

Sébastien Olivier Charneau

 

O Dia Mundial da Malária foi estabelecido pelos Estados Membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) na Assembleia Mundial da Saúde em 2007. Essa data é um despertador anual para destacar a necessidade de investimento político contínuo e de compromisso científico com a prevenção e o controle visando ampliar a luta contra a malária.

 

A malária é uma doença tropical perigosa distribuída nas regiões tropicais e subtropicais. Embora ela é não contagiosa, a malária é transmitida pelo sangue principalmente através a picada de mosquito fêmea do gênero Anopheles infectada por parasitos microscópicos do gênero Plasmodium. Além disso, o patógeno pode ser transmitida por transmissão vertical (mãe para o feto) ou contato direto como por transfusão de sangue. É uma doença febril crônica com manifestações agudas. Os sintomas como febre, vômitos, e dor de cabeça aparecem de 10 a 15 dias após a picada do mosquito e no caso da malária mais grave, anemia severa, insuficiência renal e hepática. A obstrução de vasos sanguíneos pode causar tromboses e embolias em diversos órgãos, e inclusive a malária cerebral quando o indivíduo está infectado pela espécie Plasmodium falciparum.

 

A OMS estima que a malária continua causando mais de 600.000 mortes a cada ano no mundo. A maior prevalência é reportada na África principalmente em crianças, com 1 criança que morre a cada 2 minutos. No Brasil, a grande parte dos casos está na região amazônica com registro de mais de 130.000 casos por ano e em torno de 50 a 60 óbitos. Uma espécie do parasito presente no Brasil, Plasmodium vivax, é capaz de ficar latente no fígado, dificultando assim a sua eliminação, e a doença pode se manifestar novamente mais tarde.

 

Dentre os principais fatores que contribuem para o progresso da doença, encontramos o clima e o habitat propícios para a propagação do mosquito, sistemas socioeconômico, de saúde e de saneamento básico vulneráveis, denunciando um problema de política pública. As principais medidas de prevenção dessa enfermidade são o uso de mosquiteiros impregnados com inseticidas e de repelente, mas não oferecem uma solução duradoura, visto que sempre haverá mosquitos. Para controlar efetivamente a doença, é crucial combater ao parasito. Apesar de sua gravidade, a malária pode ser curada mediante um diagnóstico rápido e preciso, seguido por um tratamento com antimaláricos adequados para o tipo de infecção. Isso porque o parasito tem desenvolvido resistência aos diferentes medicamentos, inclusive aos mais recentes. Essa preocupação necessita um melhor entendimento desse parasito microscópico que muda de formas e se esconde na maior parte do tempo nas células sanguíneas vermelhas, além de apresentar uma diversidade e variabilidade de moléculas de escape ao nosso sistema de defesa. Como uma pessoa curada não apresenta uma proteção duradora contra novas infecções, isso explica porquê a centena de vacinas testadas não apresentaram eficácia para esta infecção. Felizmente, duas vacinas, apesar de apresentarem eficácia abaixo do exigido, foram recomendadas pela OMS para uso em larga escala em crianças nas regiões mais endêmicas, uma em 2021 e a outra em 2023. Interessante ressaltar que essas vacinas são dirigidas contra uma proteína da superfície do parasito que permite que ele invada o fígado no início da infecção. Essa proteína, chamada de circunsporozoíta, foi descoberta pelo casal Ruth (austríaca) e Victor (brasileiro) Nussenzweig, pesquisadores da Universidade de Nova York. Eles foram os pioneiros nos avanços na busca de vacinas contra a malária. É necessário continuar a busca por novos alvos de prevenção e terapia.

 

Não estou certo de que possamos erradicar totalmente a malária na situação socioeconômica e política de vários países endêmicos da doença, e pelo fato que se trata de uma doença tropical que não desperta grande interesse comercial. No entanto, é importante manter a esperança e reconhecer a pesquisa como essencial nesse sonho de erradicação.


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