OPINIÃO

Enilde Leite de Jesus Faulstich é graduada em Língua Portuguesa (UFRJ e UnB), mestre em Linguística (UnB) e doutora em Filologia e Língua Portuguesa (USP). Desenvolveu estágio de pós-doutorado (Pós-doc) em Linguística-Terminologia e Políticas Linguísticas na Université Laval de Québec, Canadá.  É Doutora Honoris Causa da Universidade de Brasília.

 

Enilde Leite de Jesus Faulstich

 

Comemorar o Dia Nacional da Educação de Surdos é um dos motivos para rememorar, com satisfação, como, na Universidade de Brasília, chegamos aos diversos níveis de ensino, desde a graduação em Língua de Sinais Brasileira-Português como segunda Língua à formação pós-graduada nos níveis de mestrado e de doutorado e, em única edição, ao curso de Especialização em Português L2-LSB para professores da educação básica da Secretaria de Educação do DF. Ciclo completo de formação sólida! A comemoração do Dia Nacional da Educação de Surdos exige vocabulário preciso: Confiança, Surdez, Ensino, Crença, Acessibilidade. Em síntese, confiança se assenta na parceria aceita em 2006, quando nos chegou da Universidade Federal da Santa Catarina um convite para sediar, como polo, o Curso em EaD – Graduação em Licenciatura Plena em Língua Brasileira de Sinais. Convite aceito, o sucesso resultou eminente pelo interesse da UnB, sob a coordenação da professora Enilde Faulstich.

 

Percebemos, de imediato, que Língua de Sinais não é somente de Surdos; é também da sociedade que, com maioria letrada em línguas orais, precisa de aprender línguas de sinais. Isso posto, ficou evidente, depois de 4 anos, que tínhamos capacidade inventiva para, no Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP) do Instituto de Letras (IL) da Universidade de Brasília (UnB), criar uma Licenciatura autônoma com percepção educacional filosófica inovadora e incentivadora; e logo a UnB possibilitou-nos abrir Cursos de Libras para não Surdos, estudantes de diversos curso de graduação.

 

Se as palavras nos levam a tropeçar na linguagem do dia a dia, é preciso que para Surdos forma e conteúdo se movam de uma língua para outra, com vistas à precisão de sentidos e de conceitos. Assim, com o sucesso do Letras-Libras, ampliamos as possibilidades de formação graduada e pós-graduada e, na atualidade, todos que atuam na educação linguística de surdos no LIP/IL são pós-graduados mestres/mestras; doutores/doutoras, surdos e sem surdez. No momento, o IL já pós-graduou cerca de 60 estudiosos em Línguas, em Interpretação/Tradução e em Literatura. Um dos requisitos é ter excelência para ministrar aulas “falando com as mãos” ou mesmo “com a boca”, modalidades que exigem, conjuntamente, a participação de intérpretes em sala de aula e em todos os eventos bilíngues. A depender da língua de ensino, os intérpretes são dois em um: assim, o professor que somente ministra aula em português tem no intérprete as mãos que “dizem” concomitantemente o conteúdo em Libras, ao tempo em que os não surdos que assistem as aulas verdadeiramente bilíngues, ouvem o que dizem os professores não surdos e veem a sinalização de intérpretes em Libras para os surdos.

 

Convém ressaltar que Surdos vivem sob o guarda-chuva da Lei da Acessibilidade, como um empreendimento social sustentável. Contudo é preciso que as escolas do ensino básico assumam o ensino da Língua de Sinais Brasileira e a ofereçam como uma disciplina de aplicação prática, harmonizada com o português como segunda língua, ou com qualquer outra língua segunda, como, por exemplo, línguas estrangeiras, para, assim, ampliar a educação linguística inclusiva. O ensino e a aprendizagem de línguas resultam de planejamentos que se sustentam em políticas linguísticas consistentes, necessárias para a acessibilidade linguística como um empreendimento social sustentável.

 

No contexto da acessibilidade, pesquisas nas Universidades têm demonstrado que as Línguas de Sinais são sistemas linguísticos, de natureza visual e espacial, com estrutura gramatical própria. Possibilitam, portanto, a transmissão de ideias e de fatos, embora apresentem lacunas na denominação de objetos científicos. Nesse caso, as lacunas abrem espaço para o bilinguismo, que certamente é um desafio para surdos e para não surdos. Bilinguismo considera como situação linguística aquela em que os falantes utilizam alternadamente duas línguas. Os surdos adquirem línguas de naturezas diversas: uma de modalidade visual e espacial – Libras – e outra de modalidade oral e auditiva – Português e, para o surdo brasileiro, a Libras, visual espacial, é a primeira língua (L1), o Português, oral-auditiva, é a segunda língua (L2).

 

As habilidades profissionais, relativamente às pessoas com surdez, são competências que lhes permitem executar atividades de maneira eficiente; desse modo, o surdo precisa de i) obter o aprendizado de uma L2 para ler e escrever; ii) conhecer a língua da comunidade não surda em suas manifestações formais ou informais; iii) distinguir, pela linguagem, denotação de conotação, sempre por meio da escrita; iv) acesso, até onde for possível, à língua oral. Por sua vez, a implantação de uma segunda língua, pelo ensino, deve ser gerenciada de acordo com as condições sociais, políticas e econômicas da comunidade receptora. Essa visão de mundo exige um ponto de vista de autocrítica, no sentido de que a formulação de um programa específico de ensino requer detalhamento do perfil da comunidade. Isso significa, antes de tudo, respeito às diferenças, visto que as línguas de sinais não são silenciosas, as mãos falam. Esse modo do dizer ocupa espaços relevantes, uma vez que intérpretes estão nas salas de aula, em programas de TV, nas conferências, nos debates políticos, nos congressos, e nos mais diversos espaços sociais.

 

Por fim, o Dia Nacional do Surdo não é para um só, festejemos também os Surdocegos, afinal todos temos direitos à apropriação de línguas e de culturas. É fato que esse registro nacional dá mais luz à acessibilidade social e linguística, responsável pela saúde de um mundo, ainda, um tanto restritivo.

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