OPINIÃO

 

Nina Paula Laranjeira é professora aposentada da UnB, pesquisadora colaboradora da FAV, atuando no projeto ERA – Extensão Rural e Agroecologia.

Nina Paula Laranjeira

 

A Agroecologia é o campo de conhecimento que, por suas características, traz a discussão sobre a participação, tão desafiadora atualmente no dia a dia da Universidade – das salas de aula aos grupos de pesquisa.

 

Enquanto ciência, a Agroecologia nasceu na segunda metade do século XX, quando pesquisadoras(es) da agronomia e da ecologia sistematizaram conhecimentos sobre os cultivos de povos originários e tradicionais de vários lugares da América Latina. Desde então, a Agroecologia vem se ampliando e mostrando-se como um vasto campo de conhecimento, que abrange diversas formas de conhecer e construir conhecimento, inclusive o acadêmico.

 

O momento presente é de enfrentamento a desafios civilizatórios: mudanças do clima; escassez de água; novas patologias por supressão de habitats – para citar as mais debatidas na atualidade. Nos resta ter a humildade de abrir diálogo com outras formas de conhecer e de viver, em busca de alternativas, incluindo o diálogo entre as disciplinas acadêmicas.

 

Um elemento-chave na construção do conhecimento agroecológico passa por povos originários, comunidades tradicionais, camponesas e quilombolas e vem a cada momento se mostrando mais importante para dar resposta a várias questões do nosso tempo: trata-se do reconhecimento do papel da coletividade na construção do conhecimento. Faz parte destas culturas o trabalho coletivo, as trocas, os mutirões, a solidariedade e a cooperação.

 

Ainda que estas culturas tenham sido impactadas pela cultura ocidental, elas têm muito a ensinar a esta última, que se pretende universal, e que foi abraçada pela maioria de nós de forma tão natural quanto alienada. Nos faz pensar que as demais formas de conhecimento são menos importantes, atrasadas, desprezíveis, antiquadas, fadadas à extinção. Mesmo que esta forma ocidental seja também de origem local: a Europa dos séculos XVI ao XVIII.

 

Vivemos agora um momento de inflexão desta cultura “global”, estruturada sobre o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Um esgotamento geral nos atinge, a começar pelos ecossistemas e nossos habitats, e também as pessoas, sobretudo aquelas excluídas dos sonhados progresso e acúmulo material. Tal momento é muito propício para compreendermos quando e porque abraçamos uma cultura que deixou de fora parte importante da nossa nação: negros (quilombolas ou não), indígenas e camponeses não acessam as benesses deste sistema.

 

Essas populações, detentoras de conhecimentos importantes, sobrevivem porque lutam, porque são resistência – são o Brasil profundo! E, por sorte da nossa sociedade, resistiram. Porque são elas que nos trazem agora pistas do que perdemos com a adoção de um paradigma no qual o ser humano é capaz de subjugar a natureza e outros seres humanos, em processos individualistas e competitivos, que produzem riqueza para poucos, que concentram terras e capital, que destroem o Sistema Vida.


A Agroecologia avançou e se compreende, dentro da academia, como um novo paradigma, mas também como forma de luta dos povos e seus modos de vida e conhecimentos. Destas formas de compreensão do mundo – conhecimentos ontológica e epistemologicamente bem diferentes do ocidental – nos chega, por exemplo, a biodiversidade de alimentos e espécies medicinais, necessária para repensarmos as monoculturas alimentares de hoje, que impactam negativamente o ambiente e o clima. Nos chegam, também, os ensinamentos sobre convívio social: formas colaborativas de construir conhecimento e sociedades mais justas.

No produtivismo da ciência, pouco reflexiva e individualizada, não sabemos discordar sem agredir ou desqualificar, não sabemos construir conhecimento coletivamente, pois nos parece uma enorme perda de tempo. Precisamos aprender mais com este Brasil profundo e a Agroecologia nos chama para este aprendizado.

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