OPINIÃO

 

Clarice Aparecida dos Santos é professora do curso de Licenciatura em Educação do Campo (FUP/UnB). Gestora Nacional do Pronera

Clarice Aparecida dos Santos

 

No dia 16 de abril de 1988 foi instituído o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) no âmbito do então Ministério Extraordinário da Política Fundiária e a UnB tem muito a ver com essa história.

 

O programa foi concebido na UnB, durante a realização do I Encontro Nacional do Educadores da Reforma Agrária – o I ENERA, que teve como local o ICC e seus vários anfiteatros, que, durante quatro dias do mês de julho de 1997, recebeu centenas de Sem Terra, professores(as), militantes da Reforma Agrária e da educação para um encontro que, previsto para 300 pessoas, surpreendentemente reuniu mais de 500 pessoas.

 

A realização do I ENERA aconteceu num contexto político complexo da luta pela terra, no Brasil, marcado pelo massacres de Corumbiara (RO) em 1995 e Eldorado dos Carajás (PA) em 1996, que motivou a primeira Marcha Nacional por “Reforma Agrária, Emprego e Justiça”, em abril de 1997, e mobilizou a sociedade brasileira por meio de um conjunto importante de instituições que vieram a somar-se à organização do encontro, notadamente a Unesco, a Unicef e a CNBB.

 

A organização de um encontro sobre educação já vinha sendo discutida internamente ao Movimento dos Sem Terra (MST) para debater o que denominaram “um jeito próprio de fazer educação”, tornando-se o embrião do que viria a ser, logo no ano seguinte, a Educação do Campo.

 

No mesmo período, entre 1996 e 1997, o Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), coordenado pelo então reitor da UnB, o professor Cláudio Todorov, havia apresentado ao governo um diagnóstico sobre a situação dos assentamentos realizados até então, identificando a situação educacional como um dos principais e mais graves problemas entre a população jovem e adulta daqueles territórios, especialmente o analfabetismo e a baixa escolaridade.

 

O encontro entre esses dois movimentos – o do povo trabalhador e sua consciência sobre o direito a um projeto próprio de educação, por um lado, e das universidades e outras instituições comprometidas com a efetivação desse direito, por outro – é que criou as condições para a instituição do Pronera como política pública, menos de um ano após o encontro e tendo o professor Cláudio Todorov como seu primeiro coordenador.

 

Ao longo dos 26 anos, o Pronera alfabetizou, elevou os níveis de escolaridade e formou, em nível médio e superior, mais de 200 mil jovens e adultos, envolvendo mais de 70 instituições de ensino superior e, entre estas, a Universidade de Brasília. Um desses cursos foi a primeira turma especial de Direito para beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária na Universidade Federal de Goiás, cujo um dos formados é hoje doutorando em Direito na UnB1.

 

Aqui, nesta Universidade, se desenvolveram projetos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), Curso de Especialização em Educação do Campo, Residência Agrária e Residência Agrária Jovem que marcaram definitivamente o processo formativo nos territórios de Reforma Agrária e Quilombola do Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais.

Desse processo, a UnB colhe hoje seus frutos. O curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), originário de uma política implementada pelo MEC, teve no Pronera a sua referência, especialmente em relação ao modo pelo qual se implementa, com forte participação dos movimentos sociais, em regime de alternância dos tempos de estudo e um projeto formativo de formação de educadores marcado por paradigmas que dialogam com um novo projeto de campo e de país e, consequentemente, um novo projeto de educação escolar.

 

Na ocasião em que celebramos o Dia Nacional de Luta pela Terra, em memória aos camponeses mártires do Massacre de Eldorado dos Carajás, não é demais remarcar que o Pronera é uma árvore frondosa, uma samaúma no meio da floresta a comunicar que não há conquistas para os povos do campo, das águas e das florestas, sem luta. São plantadas, crescem e resistem alimentadas por estes povos, em movimento. Que aprenderam, com as Ligas Camponesas, que “só a luta faz a lei”.

 

Referências:

1. Ilustra o presente artigo seu depoimento gravado em vídeo.

 

 

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