OPINIÃO

Altaci Corrêa Rubim é professora do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Indígena, pertencente ao povo Kokama.

Altaci Kokama

 

Os povos indígenas, desde tempos imemoriais, estão presentes no território brasileiro. Os indígenas sabem da importância da sua conexão com a mãe terra, por isso defendem sua vida e seu território. As lutas são diárias em todos os momentos e espaços. O abril é um mês representativo, é um tempo de dar visibilidade às lutas que os povos indígenas enfrentam em seus territórios, em seus biomas, pois a violência, a discriminação, o preconceito, a morte é uma bandeira anti-indígena que os povos indígenas enfrentam.

 

Nesse sentido, o tradicional 19 de abril, comemorado como dia do índio, passou a ser oficialmente chamado de Dia dos Povos Indígenas pela Lei n. 14.402/2022. A lei é resultado do projeto de lei 5466/2019 da deputada indígena Joenia Wapichana. Segundo Joênia, a data é para ressaltar o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira1. Dito isto, reforço a importância do protagonismo indígena para dar voz e vez aos povos indígenas em todos os espaços.

 

O protagonismo indígena rompe com as novas formas de tutela, decolonizam espaços. Dessa maneira, faz-se necessário decolonizar a academia com as epistemologias indígenas. O conhecimento indígena sempre foi objeto de interesse, para não dizer de cobiça, dos empreendimentos das diversas formas do Estado Colonial. Não haveria ocupação do território brasileiro sem o conhecimento dos povos indígenas sobre os caminhos, os rios, os cultivos da terra, os lugares propícios para o assentamento humano, os animais e as plantas e todos os outros recursos. Conhecimento codificado na língua, razão pela qual os colonizadores prontamente promoveram a existência de população bilíngue (de onde provém os bandeirantes que caçavam indígenas e destruíram Palmares) e a sistematização das línguas indígenas em gramáticas e literatura missionária como política linguística a serviço da administração da Coroa Portuguesa.

 

Contudo, os modos indígenas de conhecer, aos quais estamos chamando de epistemologias indígenas, sempre foram vistos com descrédito, como nas fórmulas “sem fé, sem lei e sem rei” ou no caráter fugaz da disposição indígena como “estátuas de murta”, nas palavras do Padre Antônio Vieira. Não obstante, o pensamento ameríndio inspira o Ocidente desde Montaigne, passando por Rosseau e a Revolução Francesa e chegando ao Estruturalismo de Lévi-Strauss ou à Antropofagia Cultural do Modernismo brasileiro. No entanto, tais mediações e apropriações não se fazem mais necessárias. Os indígenas enunciam a partir da cosmovisão de cada povo suas próprias concepções e categorias de pensamento relativas às línguas, ao ambiente, às relações cosmopolíticas. Possuem agendas de pesquisa e questões teóricas próprias, que propõe outros pontos de partida e outros olhares para os problemas urgentes como a emergência climática, a partir de experiências que apenas agora a ciência tradicional começa a desvelar, como a história co-evolutiva entre os povos indígenas e o bioma amazônico.

É preciso reconhecer e dar créditos aos autores dos conhecimentos tradicionais. Um exemplo é o Curare: mistura de ervas usada pelos indígenas nas pontas de flechas como veneno para imobilizar as presas, através de estudos e melhoramentos da substância tornou-se segura para ser usado na produção de relaxantes e anestésico cirúrgico. Medidas para garantir a propriedade intelectual e o retorno às comunidades indígenas da aplicação dos conhecimentos tradicionais precisam ser tomadas.

 

Contudo se deve ir além do extrativismo, pensar os povos indígenas apenas como repositório de conhecimentos. Tais conhecimentos não seriam possíveis sem formas de pensar particulares, sem epistemologias e metodologias indígenas que podem não apenas renovar a ciência que busca soluções para os desafios do antropoceno, mas que podem “reflorestar mentes”, produzir uma nova consciência coletiva em prol do bem-estar de todos os existentes, humanos e não humanos.

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.