OPINIÃO

Wellington Lorenco de Almeida é professor na Faculdade de Planaltina na Universidade de Brasília (FUP/UnB).

Wellington Lourenço de Almeida

 

O desfecho da ofensiva militar de Israel no território palestino ocupado de Gaza, onde mais de dois milhões de pessoas estão submetidas a ações de guerra proibidas pelas normas humanitárias, nos dirá se ainda será possível continuar falando em proteção internacional dos direitos humanos. O que está ocorrendo pode ser definido como atos de genocídio, de acordo com a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, em vigor nas Nações Unidas desde 1951 e promulgada no Brasil pelo Decreto n. 30.822, de 6 de maio de 1952.

 

O artigo segundo dessa Convenção descreve como genocídio atos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Entre esses atos constam, por exemplo, danos graves à integridade física ou mental de membros do grupo e submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial. Não há dúvidas sobre essas duas ocorrências. Além dos óbvios danos físicos e mentais, há uma fome coletiva iminente, com bloqueio israelense da ajuda humanitária.

 

 

Tecnicamente não é simples, porém, caracterizar os crimes de guerra em Gaza como genocídio, pois eles se misturam com o direito de defesa, alegado por Israel e também contemplado pelas normas internacionais. Foi nesse sentido a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) em relação à denúncia apresentada pela África do Sul. A decisão foi por medidas emergenciais, adiando, de maneira previsível, a análise sobre atos de genocídio. A iniciativa sul-africana recebeu o legítimo apoio do governo brasileiro. O Brasil tem uma posição clara a favor de uma solução real de dois estados.

 

 

Os palestinos precisam de todo apoio possível, pois geopoliticamente estão isolados. Estados Unidos e União Europeia são responsáveis diretos pelas ações Israel. Nada mais simbólico e deplorável do que a proposta do governo Biden de jogar comida por via aérea para os civis enquanto dá apoio logístico e fornece armas ao hiper equipado exército israelense. China e Rússia acompanham as votações pró Palestina, mas guardam distância do conflito.

 

Enquanto isso, a população civil sofre punição coletiva cotidiana. Há um debate a respeito do ataque desferido pelo Hamas contra Israel, que causou a morte de mais de 1.200 pessoas e o sequestro de outras 253, além de denúncias de abusos, que estão sendo investigadas. No Ocidente, predomina a caracterização como ato terrorista; outras vozes, mesmo condenando, caracterizam-no como ato de resistência. A maioria esmagadora da população civil, encurralada, não pode depender da solução dessa controvérsia para seguir vivendo.

 

Os atos de genocídio em andamento, se não forem interrompidos, evitando que a Palestina seja varrida do mapa, significará a morte do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, erguido nos escombros do horror provocado pelo Holocausto. É um sistema precário, insuficiente, seletivo em muitos casos, mas nem por isso desprezível. Foi na segunda metade do século passado, mesmo com a Guerra Fria, que de alguma maneira esse sistema se estruturou, a partir do debate político e teórico, combinado com as mais diversas e plurais lutas sociais em todo o planeta. Forjaram-se conceitos fundamentais para tentar garantir direitos democráticos, como o fim dos regimes coloniais na África e Ásia, os direitos das mulheres, crianças, minorias, povos originários, meio ambiente, entre outros.

O desfecho em Gaza é decisivo não pela inexistência de outros exemplos de genocídios, históricos ou mesmo atuais, contra grupos oprimidos em diversos contextos. Ele é divisor de águas pelo fato de estar sendo perpetrado por descendentes do povo que foi perseguido por séculos e o vivenciou durante o horror nazista, como registrou em depoimento dramático, no auge dos seus 102 anos, o sociólogo Edgar Morin, que, como outros intelectuais e religiosos judeus, denuncia o massacre em curso.
 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.