OPINIÃO

 

Norma Diana Hamilton é professora adjunta do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB). Cofundadora do Núcleo de Escritoras Pretas Maria Firmina dos Reis (@nepfir_unb)

 

Adelaide de Paula Santos é doutoranda em Literatura e Práticas Sociais pela Universidade de  Brasília (PósLit UnB). Escritora e Cofundadora do Núcleo de Escritoras Pretas Maria Firmina dos Reis (@nepfir_unb)

Norma Diana Hamilton e Adelaide de Paula Santos

 

A greve pela huelga feminista de 24 horas, organizada por militantes em 8 de março de 2018, paralisou a Espanha e teve o apoio de mais de 5 milhões de mulheres. Foi um ato pela visibilidade dos problemas que afetam as mulheres mais exploradas pelo sistema capitalista, mulheres de baixa renda e não-brancas, em sua maioria. Desde então, a data ficou simbólica internacionalmente, pela luta de todas as mulheres.

 

Os atravessamentos que afetam a maioria das mulheres do mundo, salários baixos, falta de acesso a um sistema de saúde de qualidade, condições de moradia e de saneamento precários, assim como a violência policial, ainda são pouco visibilizados pelo feminismo tradicional, liderado por mulheres brancas, da classe média alta, provenientes da elite econômica, uma minoria de mulheres, que sequer imagina os efeitos devastadores da pobreza (ARRUZZA, BHATTACHARYA E FRASER, 2019). Essa situação se exacerba ainda mais quando as mulheres brancas aceitam os lucros provenientes dos males do sistema capitalista, – sobretudo, aqueles advindos do racismo estrutural – mesmo sabendo dos prejuízos para as mulheres não-brancas.

 

Nesse 8 de março de 2024, a luta das mulheres brasileiras não-brancas, sobretudo, das negras, dentre diversas questões, continua sendo contra o racismo estrutural das instituições. A exemplo disso é o contexto da primeira edição do Prêmio Carolina Maria de Jesus (2023), desenvolvido pelo Ministério da Cultura (MinC). O anúncio do Prêmio Carolina Maria de Jesus soou como prenúncio do renascimento da cultura nacional. A imagem da escritora, uma mulher preta, estampando o banner promocional de um concurso literário governamental, opunha-se radicalmente ao outro, das crianças euro-ocidentais, que perturbou nossa identidade brasileira diversa e miscigenada.

 

A imagem de Carolina remetia não só à história de vida dela própria, dividida entre a miserabilidade da favela e as riquezas da cidade, como também à sua literatura, feita das sobras daquilo que se chama a nossa língua portuguesa, transformada, agora, pelo olhar subalternizado de uma mulher favelizada. O impacto dessa propaganda em outras tantas carolinas foi tão grande, que mobilizou muitas a atenderem ao chamado: escrevam, pois a sua escrita importa.

 

No entanto, o que parecia ser a coroação da diversidade, que subiu a rampa das políticas públicas, mostrou-se uma amarga ironia. Apesar de usar a comovente imagem de Carolina, que por si suscitaria uma gama de outras possibilidades de compreensão do que seja literatura, indo muito além do que propõe o cânone acadêmico, o prêmio destinado a todas as mulheres, trazia critérios muito alinhados aos conceitos greco-latinos dicionarizados sobre a literatura. Ou seja, para esse prêmio, nem mesmo Carolina Maria de Jesus estaria habilitada.

 

O resultado dessa chacota com escritoras negras revelou as estratégias do racismo estrutural, que continuamente se mobiliza para se apropriar dos recursos financeiros, que poderiam empoderar grupos minorizados. O prêmio distribuiu a maior parte dos recursos públicos alocados para tal fim, mais de três milhões de reais, entre as regiões do Brasil, nas quais, a raça afroindígena “não-se aplica”, isto é, regiões onde as populações são predominantemente brancas. Ou seja, as escritoras premiadas com os recursos públicos – em homenagem à Carolina Maria de Jesus – são brancas da classe média e alta, no geral. E as candidatas das regiões Norte e Nordeste, principalmente as negras e as indígenas, não foram habilitadas, em sua maioria. Noutras palavras, estas escritoras, das regiões em desenvolvimento econômico, não aprenderam a escrever conforme lhes ensinou o colonizador.


Diante das arbitrariedades, o coletivo @nós.carolinas pediu a revogação do edital e denunciou esses problemas publicamente em suas redes sociais, imprensa e, aos responsáveis pela pasta, em reunião no Ministério da Cultura. Até o momento, as premiadas brancas não se manifestaram sobre as falhas racistas na premiação. Resta a indignação: até quando as mulheres não-brancas no Brasil serão negligenciadas?

 

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