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OPINIÃO

Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília e professora do Instituto de Geociências. Doutora em Geologia pela UnB.

Márcia Abrahão Moura

 

Há pouco mais de duas semanas, o Ministério da Educação (MEC) lançou o programa Future-se. O projeto de lei (PL) do programa anuncia como finalidade “o fortalecimento da autonomia administrativa e financeira das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES, por meio de parceria com organizações sociais e do fomento à captação de recursos próprios.”

 

Ao mencionar o fortalecimento da autonomia universitária, o MEC admite que o país ainda precisa assegurar a plenitude desse preceito constitucional. Nesse ponto, há certamente consenso entre governo, educadores e comunidade acadêmica. O PL, entretanto, caso aprovado da forma em que se encontra, trará resultados opostos. O texto também traz diversas lacunas, como vem sendo explicitado por especialistas e juristas, e contraria o próprio programa de governo ao centralizar decisões no MEC.


Uma das preocupações é a proposta de utilização de uma organização social para fazer a gestão dos recursos das IFES. Ao contrário do que foi divulgado, essa mudança enfraqueceria a governança e flexibilizaria o controle da utilização dos recursos públicos. Atualmente, as instituições passam por rígido acompanhamento dos órgãos de controle, o que tem proporcionado grande melhoria de gestão. A UnB, por exemplo, além de outras providências, aprovou o Plano de Integridade, com medidas para prevenir, detectar e remediar eventuais ocorrências.

 

O Future-se define como novidade várias ações já desenvolvidas nas IFES e não apresenta propostas genuínas de melhoria do que identificamos, há anos, como necessário para aprimorar a nossa missão de ensino, pesquisa e extensão. Tomemos como exemplo a captação de recursos. A UnB já arrecada grandes montantes – inclusive, cerca de 40% das despesas de custeio são pagas com nossos recursos próprios. Este ano, a Universidade tinha a expectativa de arrecadar R$ 130 milhões, mas só teve R$ 101,4 milhões liberados pela Lei Orçamentária Anual (LOA).

Assim, vê-se que, nesse aspecto, o problema não é na captação, e sim no limite imposto para a utilização do que arrecadamos, ainda mais restrito depois que a Emenda Constitucional nº 95 entrou em vigor. Há, no Congresso, propostas que tratam da liberação do orçamento para esses casos. Esse é um caminho. Outra solução pode vir do exemplo das universidades estaduais paulistas, que têm liberdade para captar e utilizar os recursos na própria instituição. Basta, portanto, modernizar a legislação, para o que contamos com a parceria do Congresso Nacional.

Outra suposta inovação do programa diz respeito à aproximação com a iniciativa privada. Na UnB, desde 2015, 20 empresas passaram ou estão em fase de incubação. No ano passado, 52 tecnologias foram protegidas por patentes ou registro no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e 174 projetos foram executados em parceria com a Finatec, uma das fundações de apoio credenciadas pela Universidade. Também já há normativos que permitem o recebimento de doações e a criação de fundos patrimoniais, apesar de vetos significativos ocorridos na recente promulgação da Lei 13.800/2019, que regula o tema. Há certamente espaço para melhorias nessa área.

Além disso, o Future-se, como o próprio nome já diz, parece ignorar as necessidades atuais das IFES. As universidades e institutos federais amargam um bloqueio de 30% do orçamento discricionário. Na UnB, são R$ 48,5 milhões indisponíveis, contrariando o que foi aprovado pelo Congresso na LOA de 2019. Nossas instituições já se encontram com dificuldades para pagar despesas básicas, como a conta de água e energia elétrica.


Como ocorre em vários setores, há muito a ser aprimorado em nossa Educação. Mas não podemos ignorar dados que demonstram serem as IFES exemplos de sucesso. Apesar de representarem apenas 12% do total de instituições de ensino superior do Brasil, em qualquer ranking nacional ou internacional são as públicas que ocupam as primeiras posições (salvo raras e louváveis exceções). Respondemos por mais de 95% da produção científica brasileira. O mesmo ocorre em relação a indicadores de inovação, internacionalização e extensão. Nesses aspectos, a UnB também se destaca, dentro e fora do país. O nível de nossos egressos é outro indicador de excelência.

Por fim, é preocupante que um projeto sobre o futuro da educação superior não trate de temas essenciais para o país, como a formação de professores. É fundamental que o ponto de partida de alterações no funcionamento das IFES considere os princípios constitucionais de autonomia e gratuidade, a nossa experiência exitosa acumulada, o compromisso social das nossas instituições e as metas do Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso. Urge, ainda, o respeito à autonomia de gestão, que inclui a escolha dos dirigentes das instituições pela comunidade acadêmica.

A UnB, por meio de seus colegiados, iniciou o debate sobre o programa nesta semana, amparada pela análise técnica de especialistas de várias áreas. Temos responsabilidade com a história da Universidade e com as gerações futuras, que muito ainda poderão se beneficiar da riqueza de experiências e conhecimentos produzidos na nossa instituição. Também continuaremos trabalhando com o Legislativo, o Executivo e a sociedade brasileira para construir, de fato, propostas que aprimorem a Educação brasileira.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 3/8/2019

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