A UnB lançou na última quinta-feira (23) a cartilha Nós, Atingidos e Atingidas – diagnóstico preliminar para elaboração de políticas públicas reparatórias, no Salão de Atos da Reitoria. A publicação é fruto de pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Geografia (GEA) do Instituto de Ciências Humanas (ICH), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O documento apresenta um diagnóstico sobre a situação dos atingidos por empreendimentos e desastres ambientais, apontando caminhos para a construção de políticas públicas reparatórias e preventivas. Docentes, estudantes, representantes de movimentos sociais e integrantes do poder público prestigiaram o lançamento da publicação.
"Pensamos em dar voz aos sujeitos de direito e também em sistematizar dados extraídos por entrevistas, enquetes e questionários”, explica o professor do Departamento de Geografia e coordenador geral da pesquisa, José Sobreiro Filho. O docente foi o responsável por apresentar os resultados da pesquisa que, por meio de gráficos, mapas e tabelas, fornece elementos sobre o perfil dos atingidos, expõe diferentes formas e níveis de desigualdade e mostra efeitos produzidos.
Ele salientou que os dados quantitativos e qualitativos foram coletados por todo o país ao longo de dois anos, englobando dados estatísticos, análises territoriais e registros de campo. “Entrevistamos grandes lideranças para sistematizar informações, identificar esse sujeito e suas vulnerabilidades”, contou.
“É um trabalho muito intenso e valioso, com a participação de uma equipe qualificada e que cumpre o objetivo de subsidiar a criação de políticas públicas baseada em dados", destacou Elisa Estronioli, representante nacional do MAB. Ela frisou ainda que o documento é um instrumento de luta e servirá de base para pesquisas futuras.
Para compreender a natureza da condição dos atingidos, foram realizados seminários públicos, 14 entrevistas individuais e 146 questionários aplicados durante a Jornada Nacional de Lutas, em 2023. Além disso, utilizou-se informações do Censo Demográfico de 2022, do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB) e do banco de dados Dataluta.
A pesquisa também contou com contribuição metodológica e de debate teórico do Grupo de Estudos sobre Ações Coletivas, Conflitualidades e Territórios (Geact) e do Laboratório de Estudos Avançados do Território (Leat). Ao todo, o universo de pesquisa buscou contemplar a diversidade presente entre mais de dois mil atingidos, representando todas as regiões.
“Esse é um trabalho importante, pois há décadas os movimentos denunciam os impactos desse modelo de desenvolvimento na sociedade”, afirmou o secretário de Governança Fundiária e Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do MDA, Moisés Savian. Ele pontuou que o país enfrenta grandes desafios para criar políticas que evitem problemas socioambientais e que reparem as famílias que sofreram várias violações.
O decano de Pós-Graduação da UnB, Roberto Goulart Menezes, destacou a importância da "união de esforços em um tema tão relevante". Especialmente pela colaboração na produção de conteúdo, em um momento em que o Brasil ganhará destaque mundial com a realização da COP 30, realizada em Belém do Pará, de 10 a 21 de novembro.
ANÁLISE – O lançamento da cartilha veio em um momento simbólico, que marca o primeiro aniversário do Novo Acordo do Rio Doce, importante instrumento de reparação de danos socioambientais que estabeleceu as condições de reparação do meio ambiente e de indenização aos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).
Desde então, diversas ações interministeriais estão acontecendo e avançando no sentido de implementar políticas públicas nos territórios atingidos. Entre elas, o lançamento da cartilha, que traz um diagnóstico preliminar e propõe a criação de políticas públicas que reconheçam os atingidos como sujeitos de direitos.
Como resultado, o estudo revelou que a população atingida pelos grandes empreendimentos sofre com a violação de direitos fundamentais, perda de território, contaminação ambiental, deslocamento forçado e falta de reparações. Já o perfil dos atingidos evidencia as desigualdades raciais e de gênero, com a maioria declarando-se preto ou pardo (76%) e mulher (67%).
Quanto às regiões mais impactadas, o Norte vem em destaque. Ali as áreas próximas aos rios são afetadas por hidrelétricas, mineração e agronegócio. No Nordeste, os impactos concentram-se no litoral e envolvem pessoas de baixa escolaridade, que atuam em ocupações informais e de subsistência, como pesca e serviços domésticos.
A análise ainda evidencia a desigualdade estrutural, com concentração de barragens em regiões voltadas ao agronegócio, mineração e energia, priorizando interesses privados em detrimento das comunidades locais. Assim, mesmo justificados pelos benefícios públicos, os empreendimentos não favorecem diretamente os afetados e geram graves impactos sociais e ambientais.
Trazendo esta exposição, a publicação coloca-se como um instrumento útil e deixa como legado os apontamentos para criação de novos programas que promovam justiça social e segurança ambiental. Serve ainda de base para debates sobre reparação, prevenção e uma transição energética justa.
