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Lançamento | Livro "O impacto das cotas: duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro"
Estudo inédito revela os impactos das cotas nas universidades públicas brasileiras: mais inclusão, diversidade e transformação social
Publicação reúne mais de 30 artigos e analisa duas décadas de ações afirmativas no ensino superior
Mais de vinte anos depois da implementação das primeiras políticas de cotas no Brasil, uma nova e abrangente obra traz à luz os efeitos reais dessa transformação no ensino superior. O Impacto das Cotas: Duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro, organizado pelos sociólogos Luiz Augusto Campos e Márcia Lima, apresenta um panorama inédito e detalhado sobre os resultados das ações afirmativas, com base em análises empíricas produzidas por um consórcio nacional de pesquisadores.
O volume é resultado de uma cooperação inédita entre oito grupos de pesquisa nacionais e conta com a contribuição de pesquisadores de instituições renomadas, como a Universidade de Brasília (UnB), cujo prestígio acadêmico fortalece a qualidade da obra. Também destaca-se a parceria com o AfroCebrap, núcleo de pesquisa, formação e difusão sobre a temática racial, vinculado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), consolidando a relevância acadêmica e social do trabalho.
Estão reunidos mais de 30 textos assinados por cerca de 40 especialistas de diferentes regiões e formações acadêmicas. É a investigação mais completa já realizada sobre o tema no Brasil. O lançamento acontece em 9 de junho, às 19h, na Livraria Circulares, localizada na 113 Norte, em Brasília.
Retrato das transformações
A obra mostra como as cotas raciais e sociais modificaram profundamente o perfil das universidades públicas. Se até o final dos anos 1990 o ensino superior brasileiro era dominado por estudantes brancos e de classes médias e altas, hoje o cenário é outro: em 2021, estudantes pretos, pardos e indígenas já representavam 52,4% dos matriculados nas universidades públicas, frente aos 31,5% em 2001. No mesmo período, a presença de alunos das classes D e E também saltou de 20% para 52%, evidenciando a dimensão econômica da mudança.
Esses avanços se consolidaram especialmente a partir da Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que destinou 50% das vagas em instituições federais a alunos da rede pública, com recortes étnico-raciais e socioeconômicos. Em 2023, a legislação foi atualizada pela Lei nº 14.723, reforçando a prioridade dos cotistas no acesso a auxílios estudantis e garantindo que eles também concorram na ampla concorrência — uma mudança que evita o uso das cotas como teto e garante seu caráter de inclusão mínima.
Desempenho que desafia preconceitos
Entre os principais mitos derrubados pela obra está o de que os cotistas têm desempenho inferior. Dados das universidades federais como UFSC, UFMG e UFRJ mostram que, embora os cotistas ingressem com notas ligeiramente menores no Enem, essa diferença desaparece ao longo do curso. A performance acadêmica, medida por notas semestrais globais, revela níveis equivalentes entre cotistas e não cotistas, invalidando os argumentos contrários às cotas por suposta “queda de qualidade”.
Outro dado importante é o da evasão. Estudos mostram que as taxas de desistência entre cotistas e não cotistas são similares, e que homens, especialmente homens negros, apresentam maior risco de abandono, independentemente do tipo de ingresso — o que reforça a necessidade de políticas de permanência mais robustas e integradas.
Diversidade de instituições e modelos
A publicação também apresenta um mapeamento das trajetórias específicas das cotas em diferentes universidades, como Uerj, UnB, UFBA, Unicamp, UFMG e UFSC. Algumas adotaram cotas raciais antes da legislação federal; outras testaram sistemas de bonificação. A análise mostra como o processo foi heterogêneo e como modelos distintos de ação afirmativa geraram impactos variados.
Destaca-se o caso da UFSC, que atingiu a paridade racial em 2020, e o da Unicamp, que só implementou cotas raciais em 2017, após anos de bonificações com efeitos limitados. Em contrapartida, a UFBA — pioneira na adoção de cotas — enfrentou retrocessos em cursos de prestígio com a entrada em vigor da Lei de Cotas federal, problema corrigido apenas na revisão de 2023.
Mais que acesso: produção de saberes e disputa epistemológica
Além de ampliar o acesso, o livro mostra que as ações afirmativas transformaram a universidade por dentro, trazendo novos sujeitos e saberes para o centro do debate acadêmico. A presença de estudantes negros, indígenas, periféricos e com deficiência reconfigurou currículos, fomentou novas linhas de pesquisa e promoveu o diálogo entre ciência e saberes ancestrais e comunitários. Nas palavras de Nilma Lino Gomes, autora doe prefácio e coordenadora da coleção Cultura negra e identidades, da qual o livro faz parte: "Mais do que garantir o acesso, as cotas transformam a universidade por dentro. Elas introduzem novos sujeitos, novos saberes e formas plurais de produzir ciência."
Autores
Adriano Souza Senkevics | Ana Maria F. Almeida | Ana Paula Karruz | Andréa Lopes da Costa | Antonio Fernando Boing | Bréscia França Nonato | Caio Vinicius dos Santos Silva | Carlos Antônio Costa Ribeiro | Chantal Medaets | Claudia Monteiro Fernandes | Daniela Santa Izabel | Edilza Correia Sotero | Erich Dietrich |Felícia Picanço | Fernanda Gonçalves | Filipe de Oliveira Peixoto | Flavia Longo | Flavio Carvalhaes | Flora de Paula Maia | Gustavo Bruno de Paula | Izabele Sá | Jefferson Belarmino de Freitas | João Feres Júnior | Joaze Bernardino-Costa |José Alves de Freitas Neto | José Maurício Arruti | Juliana Flor | Juliana Marques | Júlia Hirschle | Luiz Augusto Campos | Marcelo Eduardo Borges | Marcelo Henrique Romano Tragtenberg | Marianna Assis | Márcia Lima | Melina Klitzke | Natália Neris | Poema Portela | Rafael Pimentel Maia | Rosana Heringer | Thamara Hübler Figueiró | Ursula Mattioli Mello | Vivian Nascimento | Yuri Santos de Brito