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Livro: Cartas de uma menina presa
Livro com cartas entre adolescente e professora da UnB traz a realidade de menores encarceradas
Adolescente de 17 anos escreve para os que sentem pena ou raiva do menino de rua, do trombadinha que surrupia a carteira, do menino do poste à espera da justiça da rua.
Brasília-DF – Cartas de uma menina presa é um livro de cartas que não seriam lidas nem mesmo pela destinatária. Duas mulheres trocam cartas, e uma delas está presa em uma cadeia para adolescentes. A outra tem título de madame, nos termos das meninas presas. Em cadeia se escreve muito e não importa onde – em pedaços de papel, na parede da cela, no próprio corpo. Se escreve quando se pode, quando a caneta ou o lápis não foi recolhido por ter sido feito de estoque para um ataque às companheiras de cadeia.
Talia é o nome escolhido por uma adolescente de 17 anos para assinar suas cartas à Debora Diniz, antropóloga que escolheu viver na cadeia para adolescentes da capital do país seguindo a rotina de um plantão das carcereiras. A troca de cartas seguia o calendário do plantão – uma carta a cada três dias. As cartas selecionadas descortinam o encontro, desvendam os segredos e curiosidades mútuas, e, principalmente, apresentam o passado de uma importante traficante da capital do país.
O encontro - Debora Diniz chega ao corredor de Talia com os trejeitos típicos de uma acadêmica, como tantas que visitam cadeias e pouco escutam as histórias de quem ali vive. Talia pede livros, quer ler o que se lê fora dali. Não há televisão nas celas e o tempo da sentença é comprido. Seu pedido é por literatura, quer conhecer mulheres que escrevem sobre histórias do mundo. Foi pela busca incansável de Shu Wen pelo marido perdido no Tibet na história contada por Xinran ou de Tsukiko no encontro tímido com o professor no livro de Hiromi Kawakami que Talia passou a escrever.
Talia tem a força de uma cronista da própria vida. Apresenta sua infância na rua, sua vida como empresária do tráfico, suas perturbações com um futuro sem sonho. Talia pode ser ela, mas também qualquer outra menina da cadeia de papel, como se nomeiam os reformatórios para adolescentes em conflito com a lei. Ali só se fala de um jeito, por isso o dicionário de peba; se manda quem é xerifa, apanha quem é cagoete. Talia habita a primeira cela do módulo; é xerifa considerada pela polícia e pela carceragem.
Um livro para o mundo - A destinatária das cartas é Debora, mas o certo é lê-las como confissões sem destino certo – Talia escreve para os que sentem pena ou raiva do menino de rua, do trombadinha que surrupia a carteira, do menino do poste à espera da justiça da rua. Só na formalidade é que este é um livro de cartas, pois o gênero é único: são perguntas do mundo para uma cronista da sobrevivência na rua e atrás das grades.
O livro é urgente em um tempo que as cadeias crescem no país, em que se legisla a redução da maioridade penal para prender mais e gente ainda mais jovem. Talia foi presa pela primeira vez aos 14 anos, mas já perambulava pela rua desde os 8. Não teve escola ou conselho tutelar que a resgatasse da perdição do crime, do sexo por dinheiro ou da violência. Quando se tornou feroz, foi tempo de ser trancada em uma cela com direito a banho de sol contado e escola regrada.
As cartas - São 25 cartas, breves e intensas como são as cartas que escapam a vigilância da cadeia. Diferente de poemas que escapam de Guantánamo ou das cartas enviadas à Ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), Cartas de uma menina presa é um livro que não se submeteu ao filtro do poder – Talia entregava suas cartas da cela à Debora. Por isso é um livro que pode ser lido, pois não foi destruído ou arquivado pela vigilância da cadeia. Não houve intermediários de leitura. Se há surpresa nas palavras, elas serão desvendadas por todos que lerem a força do desamparo resistente de Talia. Um livro para todas as idades.
Lançamento - Publicado pela editora LetrasLivres, Cartas de uma menina presa será lançado no dia 28 de agosto de 2018, terça-feira, às 19h, no café Objeto Encontrado (CLN 102, Bloco B, loja 46 - Asa Norte), com participação da coautora Debora Diniz. O livro, de distribuição gratuita, também será disponibilizado em versão digital após o lançamento. No evento, a organização não governamental Anis – Instituto de Bioética coletará doações destinadas à família de Talia.
