OPINIÃO

Silvia Badim Marques é professora da Universidade de Brasília, na Faculdade de Ceilândia e coordenadora dos direitos das mulheres da Diretoria da Diversidade, do Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) da mesma universidade. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos, mestre e doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Atua nos temas: Direito Sanitário, Advocacia em Saúde, Direito e Políticas Públicas, Judicialização das políticas de saúde e Direito à Saúde de Grupos Vulneráveis.

 Silvia Badim Marques

 

Segundo dados da Organização das Nações Unidas, o Brasil é o quinto país em número de violência contra mulheres, só ficando atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Na medida em que avançamos na legislação em defesa das mulheres, e comemoramos 10 anos da Lei Maria da Penha, uma lei inovadora que define os tipos de violência contra mulheres e prevê punições severas aos agressores, assistimos o aumento dos casos de assédios, feminicídio, estupros e violências das mais diversas contra mulheres.


E, entre essas violências, temos a realidade crua e dura das violências sexuais praticadas contra mulheres. O 9o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2015, nos traz dados de que, em 2014, foram registrados 47.643 casos de estupro em todo o país. O dado representa um estupro a cada 11 minutos. Isso, sem contar a subnotificação, que é muito alta em casos de violências sexuais, onde as mulheres temem relatar e denunciar as violências sofridas, por medo de serem duplamente violentadas. Estima-se uma média de, apenas, 10% de notificação nesses casos.


Sim, um dado assustador para nós, mulheres, que passamos a temer andar nas ruas ou transitar em ambientes cheios como ônibus, metrôs, shows, festas e até parques ou áreas com espaços vazios. Mas não só. Grande parte dessas violências acontece dentro de casa, no âmbito familiar, e segundo dados do Sistema Único de Saúde, entre as violências sexuais registradas contra mulheres, 70% é cometida contra crianças e adolescentes.


Quanto menor a idade da vítima, maior o número de violências praticadas dentro de casa. O relatório Estupro no Brasil, uma radiografia segundo os dados da Saúde (Ipea, 2014), nos mostra que 24% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos e 32% são amigos ou conhecidos da criança ou adolescente. Já, na idade adulta, o agressor desconhecido é o maior agressor das mulheres, sendo responsável por 61% dos casos de estupro das mulheres. E vale lembrar que, depois da alteração do Código Penal em 2009, quando falamos de estupro não estamos falando apenas de penetração e consumação de conjunção carnal. Estamos falando de quaisquer atos libidinosos ou atos violentos contra sua sexualidade.


E, nesse panorama, o que mais surpreende é a estagnação desse quadro na sociedade brasileira. Por que a insistente violência sexual contra mulheres? A resposta nos remete à nossa cultura machista e patriarcal, que considera, ainda, que o corpo das mulheres é um corpo que pode ser usado pelo homem, quando ele bem entende. Ou mais, que existe o direito moral e implícito dos homens violarem sexualmente as mulheres sempre que se sentirem provocados ou instigados por seus corpos. Mesmo que eles sejam representados por meninas e adolescentes.


A recente pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo, promovida pelo Datafolha, nos mostra que 1/3 dos brasileiros concorda com a afirmação de que “se a mulher usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”. Ora, esse dado nos confirma que, sim, existe uma cultura do estupro no Brasil. Os homens, ainda, são criados em nosso país sob a perspectiva de que mulheres devem se submeter aos desígnios masculinos, principalmente no que tange às suas sexualidades. Mulheres ainda são vistas como subalternas aos desejos dos homens, que podem penetrar seus corpos sem o devido consentimento. E, vale lembrar que o consentimento deve ser sempre claro e inequívoco.


Nós, mulheres, ainda não temos o direito de transitarmos pela sociedade como somos, sem sermos violentadas por isso. Seja nas ruas, em casa, nos ônibus, nas padarias, bares, supermercados, nossos corpos são sempre um convite exposto aos olhares e aos abusos masculinos.


Sim, estamos diante de um comportamento cultural. Lutar contra essa cultura é uma luta política de respeito à dignidade das mulheres. Não se trata de apontar o dedo a um ou outro homem. Nem de acreditar apenas na punição do direito penal. É preciso educar homens e mulheres. É preciso conscientização sobre os direitos das mulheres. É preciso mudar uma longa tradição cultural machista. É preciso a consciência clara de que mulheres são pessoas portadoras de direitos iguais aos homens e que todas temos o direito ao nossos corpos. Porque nenhuma mulher, em hipótese alguma, merece ser estuprada.

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