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José Alberto Vivas Veloso é professor aposentado da Universidade de Brasília e criador do Observatório Sismológico (SIS), da mesma universidade. Graduado em Geologia, mestre em Geofísica pela Universidad Nacional Autónoma de México, estudou Sismologia no International Institute of Seismology and Earthquake Engineering, no Japão. Trabalhou na Organização das Nações Unidas, em Viena (Áustria), na montagem de uma rede mundial de detecção de explosões nucleares. É autor do livro O terremoto que mexeu com o Brasil.

Alberto Veloso

 

 

Por serem imprevisíveis, os terremotos surpreendem, alguns mais do que outros. Eis a história de um deles, ocorrido há exatamente 40 anos na região nordeste da China.


Na madrugada de 28 de julho de 1976, a cidade industrial de Tangshan, com cerca de um milhão de habitantes, em poucos minutos foi quase aplainada por um terremoto de magnitude 7.5. Dependendo da fonte de informação, o número de mortos varia de 243 mil a 700 mil pessoas – qualquer deles terrivelmente assombroso. Por ser um evento tão devastador, ele chamou a atenção de todos, especialmente da comunidade sismológica mundial, por razões que veremos adiante.


Não se fala do sismo de Tangshan sem mencionar o de Haicheng, e vice-versa. Ambos os terremotos atingiram cidades com populações equivalentes, apresentaram magnitudes parecidas (7.5 e 7.3) e epicentros distanciados por 400 km. O de Haicheng ocorreu apenas 17 meses antes, em 4 de fevereiro de 1975. Entretanto, existe uma grande diferença entre eles. Em Haicheng a destruição foi maciça, mas contabilizou-se pouco mais de dois mil mortos, para uma população próxima de um milhão de pessoas. Como explicar tão baixo número de fatalidades, comparado a Tangshan?


Baseados em varias evidências (série de sismos precursores, modificação do nível d’água em cisternas, deformações geodésicas, comportamento estranho dos animais, etc), sismólogos e autoridades chinesas concluíram que um terremoto forte estava prestes a acontecer na área de Haisheng - o processo dessa predição ainda não é totalmente transparente, faltam documentos e muitos detalhes técnicos-científicos. Mas, confiantes em seus prognósticos, as autoridades trataram de por em marcha uma gigantesca evacuação na área alvo, um dia antes. E o terremoto apareceu às 19:36h encontrando cidades e povoados praticamente vazios.

 

Pela primeira vez acontecia uma predição sísmica de sucesso. O mundo científico admirou-se com o feito chinês. Como a pólvora, a bússola, a porcelana, o sismoscópio (instrumento que detecta terremotos), teriam os chineses “inventado” como prever terremotos? Estaria começando uma nova era científica para a sismologia?   


Infelizmente a resposta foi NÃO. E o desastre de Tangshan é a clara prova da impossibilidade de prever terremotos importantes. Tudo de positivo conseguido em Haicheng não mais funcionou, pouco tempo depois. A euforia de antes reduziu-se a descrença em dominar o processo da predição sísmica, fato praticamente aceito por quase todos os sismólogos da atualidade.


É preciso acrescentar que, naquele fatídico 1976, a China vivia períodos de extrema turbulência interna. O popular primeiro ministro Zhou Enlai havia falecido no ano anterior, o eterno camarada Mao Zedong encontrava-se seriamente enfermo, sua última esposa Jiang Quing, componente da Camarilha dos Quatro, lutava para conseguir dominar a nação, tendo como pano de fundo os estertores finais da Revolução Cultural.

 

Na confusão de mando e desmandos, mesmo se os estudiosos chineses tivessem alguma pista sobre a possível ocorrência de um terremoto forte na região de Taisheng, dificilmente conseguiriam por em prática planos semelhantes aos de Haicheng.

 

Para outros milhões de supersticiosos chineses continuava valendo a crença de que terremotos catastróficos sinalizam mudanças de governantes, algo que o povo cultuava desde o tempo dos antigos imperadores, mas que se mostrou correto naquela altura da história.  O desaparecimento do camarada Mao possibilitou profundas mudanças na China, que modernizou-se e encontrou novos rumos para tornar-se a potência de hoje.

 

Ao relembrarmos os 40 anos do surpreendente terremoto de Tangshan, mesmo reconhecendo neste espaço de tempo grandes progressos alcançados pela sismologia e pela tecnologia da engenharia sismo-resistente, temos de admitir que no particular caso da predição sísmica ainda permanecemos “praticamente ignorantes”.  Quando, onde e de que tamanho será o próximo terremoto importante são perguntas cruciais de interesse de toda a sociedade, mas para as quais não temos respostas satisfatórias.

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