OPINIÃO

José Flávio Sombra Saraiva é diretor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq, Ph.D pela Universidade de Birmingham, Inglaterra.

José Flávio Sombra Saraiva

 

 

A Universidade de Brasília perdeu um professor especial, criativo, esperançoso, positivo no caminho do Brasil. Filho das levas de imigrantes europeus e árabes, criado nas nascentes do Brasil contemporâneo, na Amazônia, comprometido com o desenvolvimento do país, Lauro Morhy nos deixou nessas semanas. Seus melhores amigos, colegas professores, técnico-administrativos e alunos lembram as contribuições de Lauro ao crescimento científico e humano de um país que desejamos inteligente e equilibrado.

Filósofo reitor da UnB, renovador e inquieto, sempre inventando um projeto para o avanço da universidade, Lauro foi o sucessor privilegiado da linha de renovação da instituição. Ao lado de Darcy Ribeiro, caminha sem dúvida o professor Lauro naquelas nuvens que já se fazem ícones da formação da história acadêmica e científica da capital da República.

Lauro, em seu tempo, particularmente nos oito anos de condução cordial e inteligente da Reitoria da UnB, fez importante modernização, tanto no que tange ao acesso de jovens talentosos à universidade, com o programa do PAS, a criação do Cespe, as formas próprias de recursos de avanço no financiamento no parque acadêmico, bem como no estímulo à ciência brasileira e sua inserção internacional a partir de parques tecnológicos. A internacionalização da UnB ganhou força nas métricas mundiais em suas duas administrações, nos anos 2000. Tive o prazer de participar desse projeto.

Tudo foi forja na história de Lauro. As famílias migrantes antecessoras a Lauro desembarcaram naqueles navios imundos do mundo velho para os portos brasileiros. Chegara aquela gente nas barcas de Belém, na viagem mágica que levou o menino ao que chamamos Rondônia hoje, na crença infindável do que seria o Brasil, o país que tinha tudo e merecia ser vivido. Membros da família deixaram seus países nas guerras e constrangimentos advindos dos terrores, particularmente irlandesas e árabes, nas origens de Lauro, naquelas vagas de imigrações à busca de um lugar no Brasil.

Lauro nunca defendeu o indefensável. Era um homem razoável, de fala lenta e calma, a discutir sempre com elementos estudados e com grande capacidade de convencimento. Sua delicadeza era conhecida por seus colegas. Professores chatos e alunos sem respeito foram recebidos nas suas portas, sempre com aquele bom humor, tanto no laboratório quanto no gabinete da Reitoria. Detestava a uniformidade dos processos e das decisões administrativas inventadas pelas deletérias leis de ministérios do governo central. Era um pouco intolerante com essa imposição central do Estado. Desejava uma universidade na vanguarda, sem peias burocratas.

Defendeu, sempre, a autonomia da universidade brasileira, como diz a Constituição, a não deixar que fosse condenada pelo Ministério da Educação e seus projetos mais politiqueiros que políticos. Pensava Lauro que cada universidade no Brasil deveria ser própria, sem copiar um modelo único. Em país continental, as universidades deveriam ser diferentes, em cada canto do Brasil, a desenhar caminhos próprios a seus potenciais e a marcar tantas diferenças econômicas, culturais e sociais do grande Brasil.

Lauro admirava, em nossas viagens pelas universidades europeias, as práticas de autonomia daquelas instituições. Lembrou sempre em suas conversas que a UnB, desde Darcy, possuía autonomia. A UnB não poderia ser biombo de políticos da Esplanada e de partidos. O atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, sabe disso, quando Lauro e Serra eram diretores da UNE no golpe de 1964. Era um conceito de Lauro, a independência da UnB.

Outro conceito de Lauro formou uma geração de professores. A universidade para quem a merece. Para estar na universidade, o centro é o saber, o mérito, o avanço sobre o mundo que desejamos criar. Pouca concessão deveria ser oferecida a quem não merece. Nas últimas semanas antes da morte do professor Lauro, o jornalista Ari Cunha, a quem admiramos pela força alencarina do escrever, forma aberta, sempre lida, direta, no seu ler e ouvir, na opinião do Correio Braziliense, em 3 de julho, disse bem: "é do mister das universidades que se ocupem da universidade do conhecimento, em todos os pontos cardeais." Isso era o lema e também um conceito de Lauro Morhy. Seus projetos do PAS, hoje traduzido em Enem, a criação do Cespe, entre outras inovações, demonstraram o que era Morhy.

Em uma das últimas conversas no fim do seu reitorado, ao descermos na rampa da Reitoria, há 10 anos, eu e Viviane (secretária do reitor) ouvimos. Falava só o filósofo reitor. Falava só Lauro Morhy. Indagava ao centro do Brasil: quando vamos governar as nossas universidades com autonomia, como fazem os reitores ingleses, os norte-americanos, os japoneses, os indianos e até, em parte, os chineses? Quando vamos ter um laboratório ou trabalho excepcional de um cientista da UnB que nos leve a um Prêmio Nobel? Esse é o caminho do Brasil, se quisermos algo no mundo. Saudades do eterno reitor.


Publicado no Correio Braziliense em 31/7/2016.

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