Érica Torres de Almeida Piovesan, Luiza de Marilac Meireles Barbosa, Patrícia Maria Fonseca Escalda
Como professoras de Saúde Coletiva na disciplina de epidemiologia, reconhecemos a publicação da Declaração de Bangkok, em 29 de novembro de 2024, como um marco fundamental para o reconhecimento da saúde bucal como parte essencial da saúde geral e da agenda de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Essa inclusão representa um passo importante para a promoção da equidade no acesso aos cuidados de saúde e para a integração da saúde bucal nos programas de cobertura universal de saúde, particularmente em países com sistemas públicos robustos, como o Brasil.
A prevalência global de doenças bucais, afetando cerca de 3,5 bilhões de pessoas, exige respostas integradas, com ênfase em ações baseadas em evidências e políticas públicas que reconheçam os determinantes sociais da saúde. No contexto da saúde coletiva, a integração dos cuidados de saúde bucal nos serviços de atenção primária é uma estratégia essencial para ampliar o alcance dos cuidados, principalmente entre populações vulneráveis. Essa abordagem reforça a necessidade de sistemas de saúde inclusivos, que considerem tanto os fatores biológicos quanto os socioeconômicos que impactam a saúde bucal.
A relação bidirecional entre as doenças bucais e outras DCNT, como diabetes e doenças cardiovasculares, evidencia a necessidade de estratégias integradas. A saúde bucal não deve ser tratada de forma isolada, mas como parte essencial de uma abordagem global de saúde pública. Os objetivos estabelecidos na Declaração de Bangkok — como garantir que 80% da população tenha acesso aos serviços essenciais de saúde bucal e reduzir a ingestão de açúcares livres em 50% até 2030 — são metas ambiciosas que demandam esforços conjuntos entre governos, instituições acadêmicas, profissionais de saúde e sociedade civil.
No Brasil, essas ações se alinham ao Sistema Único de Saúde (SUS), que já apresenta algumas experiências exitosas na prevenção de doenças bucais, como a fluoretação da água, o programa Brasil Sorridente e campanhas educativas de promoção da saúde. Ressaltamos a importância de políticas públicas que fortaleçam a prevenção e o controle dos fatores de risco das doenças bucais, como o consumo excessivo de açúcares, o tabagismo e o uso nocivo do álcool. Além disso, o investimento em sistemas de informação e na produção de dados epidemiológicos é essencial para o planejamento e a tomada de decisão baseados em evidências.
Como educadoras, também destacamos a necessidade de formar profissionais de saúde comprometidos com uma visão integral e interdisciplinar, capaz de abordar os desafios das DCNT e das desigualdades em saúde. A Declaração de Bangkok reafirma que “não há saúde sem saúde bucal”, um princípio que deve guiar os esforços globais para alcançar as metas de 2030. A disciplina de Epidemiologia Geral, nesse contexto, oferece uma oportunidade estratégica para abordar a Declaração de Bangkok, promovendo discussões sobre indicadores da situação da saúde bucal no nível coletivo. Essa abordagem pode sensibilizar os estudantes para a carga das doenças bucais e sua relação intrínseca com as DCNT, além de motivá-los a refletir sobre a importância da integração entre saúde coletiva e saúde bucal.
Destaca-se ainda a ênfase na equidade e sustentabilidade presentes na Declaração, que incentiva a redução progressiva da utilização da amálgama dentária em favor de alternativas seguras e ecologicamente sustentáveis, alinhando-se com as diretrizes ambientais globais.
Por fim, a Declaração de Bangkok destaca que a cooperação internacional, aliada a políticas públicas robustas e práticas sustentáveis, é fundamental para enfrentar os desafios globais das doenças crônicas não transmissíveis. Nesse cenário, as universidades se posicionam como agentes transformadores, com papel crucial nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. Projetos locais, nacionais e internacionais realizados em cooperação com diferentes setores podem fortalecer a implementação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde bucal e ao enfrentamento das DCNT. Ao formar profissionais engajados e ao desenvolver conhecimentos aplicáveis à realidade social, as universidades consolidam seu papel no cumprimento da agenda global de saúde.
Referências:
• Organização Mundial da Saúde. Plano de Ação Global para a Saúde Oral 2023-2030. Genebra: OMS, 2023.
• Bangkok Declaration – No Health Without Oral Health – Towards Universal Health Coverage for Oral Health by 2030.