OPINIÃO

 

Nina Paula Ferreira Laranjeira é professora aposentada da UnB, pesquisadora colaboradora da FAV, atuando no projeto ERA – Extensão Rural e Agroecologia.

 

 

Jéssica Rodrigues Pereira é doutoranda em Sociologia na UnB, pesquisadora colaboradora da FAV, atuando no projeto ERA – Extensão Rural e Agroecologia.

Nina Paula Ferreira Laranjeira e Jéssica Rodrigues Pereira

 

O termo Interculturalidade vem se firmando no contexto das teorias decoloniais, as quais buscam um olhar para a sociedade a partir da perspectiva dos países da América Latina que foram colonizados. Aqui, referimo-nos à Extensão Rural no contexto da Agroecologia e da construção e fortalecimento de territórios agroecológicos. A Agroecologia compreendida a partir dos movimentos sociais e de construções acadêmicas, que dialogam na elaboração de projeto político que propõe a autonomia de camponeses, povos originários, comunidades tradicionais e quilombolas em seus territórios. Trata-se de um projeto focado na luta pela terra, pela soberania alimentar, pela autonomia dos povos, por relações socioambientais mais equilibradas e justas, com mais cuidado com os seres humanos e com a teia da vida. Antirracista, antipatriarcal e contra o neoliberalismo: a luta contra a espoliação dos povos e dos ecossistemas, como aponta a orientação decolonial.

 

Para financiar o capitalismo nascente na Europa, a partir dos séculos XVI-XVII, recorreu-se à exploração do ouro e da prata na América Latina, à escravização de pessoas principalmente sequestradas em África e para manter esta situação, na qual riquezas naturais eram continuamente drenadas para a Europa. Para sustentar essa situação, foi necessário impor a visão de que os povos não-brancos que povoavam estes continentes eram inferiores. Inicialmente, utilizou-se a religião, justificando a inferioridade dos povos pagãos, descrevendo-os como chucros, sem cultura, sem alma e sem conhecimento: só misticismo e magia, coisas do demônio! Assim, estabeleceu-se o racismo, uma das bases de sustentação do sistema.

 

Povos cujos conhecimentos não valiam nada, que deveriam sumir com o tempo e todos deveriam adotar a forma de conhecer o mundo europeia, que era a única correta e válida (“civilizada”), por ser rigorosa, precisa, matemática: a ciência europeia, hoje adotada pela Academia e pela sociedade em todo o mundo ocidental. Foram anos de morte decretada aos conhecimentos dos povos de países colonizados!

 

Este mundo capitalista é também sustentado pelas mulheres. A produção capitalista, articulada ao racismo termo que expressa toda a perversidade da manutenção e da reprodução da desigualdade racial sobre a população negra e indígena, articulado ao sexismo reproduz ações violentas sobretudo aos povos colonizados, em especial as mulheres. Nos aproximar das intersecções do gênero, raça e classe é um caminho para ampliar nossa visão. A perspectiva interseccional nos possibilita analisar as múltiplas opressões, entre duas ou mais formas de interações, como o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas de discriminações. E vivenciado no cotidiano sobre grupos historicamente oprimidos, em particular sobre as mulheres negras, nessa interação de opressões especificamente entre raça/etnia, gênero e classe na realidade desses povos.

 

Por meio do diálogo com uma perspectiva interseccional e intercultural pode-se criar importantes ações dentro da Agroecologia, como um movimento de resgate da memória e da ancestralidade dos povos colonizados. Para isso, é essencial reconsiderar a posição científica eurocentrada, que subalterniza os demais conhecimentos, e buscar teorias que se adequem à nossa realidade de miscigenação de tantos povos. Neste contexto, surge a Interculturalidade, que propõe que todos os conhecimentos e culturas, dialoguem de forma horizontal, se quisermos trabalhar para reverter as gravíssimas injustiças sociais e os, não menos sérios, danos ambientais.

 

A Interculturalidade propõe o diálogo horizontal entre todos os conhecimentos, entendendo o processo violento de exclusão que os povos colonizados sofreram e ainda sofrem. Desponta então da necessidade de revermos nossos métodos na Extensão Rural, a fim de sermos inclusivos e possibilitar que os povos façam suas escolhas e construam seus territórios, com autonomia e integridade, contribuindo para erguer um mundo onde haja espaço para todas as culturas, combatendo as monoculturas de cultivos e das mentes.

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