OPINIÃO

Isabela Rocha é pós-graduanda no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL-UnB), coordenadora do Grupo de Trabalho em Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Soberania Internacional do Instituto de Relações Internacionais (GEPSI IREL) e membra do Núcleo de Pesquisa Informação Pública e Eleições (IPê). É também officer do 50th Research Committee on the Politics of Language (RC 50) da International Political Science Association (IPSA).

 

Isabela Rocha

 

Neste último domingo, 25 de fevereiro de 2024, Aaron Bushnell, cristão devoto, militar da força aérea norte-americana, engenheiro e trabalhador americano, se suicidou em frente a embaixada de Israel, em Washington DC, através de autoimolação. Aaron se graduou no topo de sua classe, no curso de Ciência da Computação na Southern New Hampshire University, e trabalhava com o desenvolvimento de softwares, tendo treinamento na área de cibersegurança. Antes de atear fogo em si, Aaron proclamou: "Não serei mais cúmplice de genocídio. Estou prestes a me envolver em um ato extremo de protesto, mas, comparado ao que as pessoas têm vivenciado na Palestina nas mãos de seus colonizadores, não é nada extremo. Isso é o que nossa classe dominante decidiu que será normal".

 

Como DevOps, ou seja, um profissional que atua com desenvolvimento (Dev) e operações (Ops) de sistemas de TI, sua tarefa era a de facilitar, melhorar e otimizar a colaboração e a comunicação entre os desenvolvedores de software e os profissionais de TI responsáveis pela infraestrutura e operações, com o objetivo de agilizar e aprimorar o desenvolvimento, o teste e a implantação de software. Aaron trabalhava como especialista em operações de defesa cibernética no 531st Intelligence Support Squadron, e, desta maneira, seu trabalho dentro das Forças Armadas dos Estados Unidos da América se entrelaçava com o maior escândalo moral do atual momento político: o genocídio do povo palestino.

 

Isso pois hoje, para além do endosso cultural e bélico da indústria norte-americana ao terror israelense em gaza, o Google e a Amazon honram um contrato conjunto de 1,2 bilhões de dólares para fornecer serviços de cloud computing, ao governo de Israel, estando profundamente implicadas no genocídio do povo palestino ao fornecerem a infraestrutura tecnológica que é utilizada nas operações militares e de inteligência que resultam no assassinato categórico de civis palestinos. Tanto a Google quanto a Amazon são empresas centrais no Éter Comunicacional que constituem o que chamamos de Internet ao fornecer diversas ferramentas necessárias para a manutenção da infraestrutura deste espaço ao oferecer plataformas e serviços essenciais que permitem a implementação eficiente das práticas de DevOps.

 

A Google, através do Google Cloud Platform (GCP), e a Amazon, por meio da Amazon Web Services (AWS), por exemplo, fornecem uma gama de serviços de que incluem hospedagem de servidores, armazenamento de dados, redes, e ferramentas de automação e gerenciamento de infraestrutura. Assim, os contratos firmados por estas empresas não apenas moldam a paisagem tecnológica, mas também têm repercussões políticas significativas, pois, ao firmarem acordos com um governo envolvido no extermínio categórico de uma população, estão assumindo posição política.

 

Aaron Bushnell não foi o primeiro a se auto-imolar em protesto. Em 2011, Mohammed Bouazizi, um vendedor de rua, ateou fogo em si mesmo, ato que se tornou um catalisador para a Primavera Árabe, uma série de protestos e revoluções que varreram o mundo árabe. O ato desesperado de Bouazizi era um grito contra a corrupção governamental e as condições econômicas precárias na Tunísia, desencadeou uma série de revoltas que varreram o mundo árabe, desafiando regimes autoritários e reivindicando mudanças democráticas e sociais. A primavera árabe é um marco importante no contexto político-digital, em que as Mídias Sociais Digitais serviram como plataformas para organização, comunicação e mobilização popular. A primavera, que depois inspirou movimentos populares em todo o mundo, como as Marchas de Junho de 2013 no Brasil, foram amplamente difundidas através do Facebook, Twitter e outras plataformas digitais, demonstrando o poder das plataformas em catalisar a mudança política, pois a habilidade dos indivíduos de compartilhar informações em tempo real e organizar manifestações sem a necessidade de estruturas hierárquicas tradicionais revelou um novo paradigma na mobilização social.

 

Hoje, a difusão de informação sobre o que acontece na Palestina também tem ocorrido, principalmente, em Mídias Sociais Digitais, como o TikTok, já que a Mídia Tradicional vêm demonstrando escrúpulos ao divulgar informações sobre o extermínio do povo palestino. Treze anos depois da autoimolação de Bouazizi, o suicídio de Bushnell evoca sentimentos semelhantes de anomia, revolta e desgosto, como foi sentido no mundo árabe em 2011 e no Brasil em 2013. Se não podemos contar com a mídia ocidental tradicional, nem com as Mídias Sociais Digitais dominadas pela Big Tech, que o martírio de Bushnell incendie corações em todo mundo, e continue a mobilizar suporte à conteúdo de palestinas e palestinos para além de limitação algorítmica e da dominação da Big Tech sobre o Éter Comunicacional.

 

Por todos os palestinos, mulheres, homens e crianças, assassinados pelo aparato político, cultural e militar do estado de Israel, e por Aaron Bushnell, estamos em luto. Que toda essa dor se transforme em prol do resguarde da vida dos sobreviventes do genocídio israelense.

 

 

 

 

 

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