OPINIÃO

José Geraldo de Sousa Júnior é professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (Ceam); ex-Diretor da Faculdade de Direito e ex-reitor da UnB. Colidera o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua.

 

José Geraldo de Sousa Júnior

 

Mais uma vez, Brasília e a UnB, foram atingidas por uma intempérie avassaladora. No dia 9 de fevereiro, uma chuva torrencial caiu sobre a cidade. As cenas de inundação que também aconteceram na UnB, chamaram a atenção pela intensidade e correram o país.

 

As imagens me tocaram o âmbito mais nítido de minha memória, como Reitor da UnB. Em 2011, um evento igual em intensidade, foi catastrófico para a UnB. Todo o espaço de subsolo do Instituto Central de Ciências, o Minhocão – norte, centro e sul – foram tomados pela fúria das águas. Num fim de semana, as salas estavam fechadas e os grandes auditórios se fizeram diques até que a água represada arrebentasse as portas e com força e velocidades amplificadas devastassem ambientes, laboratórios, equipamentos.

 

Foi um esforço consertado e felizmente solidário que se seguiu à tragédia, para buscar salvados, acomodar servidores, professores, estudantes, pesquisadores. Até a oposição mais conservadora se mostrou leal à Instituição e se juntou ao esforço de reconstrução. O Governo aportou recursos em valores suficientes para esse fim. As comissões técnicas constituídas, com participação externa, avaliaram a capacidade de prevenção e mesmo concluindo pela boa capacidade de manutenção e de prevenção de nossas competentes equipes de planejamento e execução, ainda fizeramsugestões de reforço a essas medidas para se precaver de eventos futuros. Na época ainda não se falava muito em mudança climática e seus efeitos.

 

Agora, em 9 de fevereiro, apesar do foco visual nas cenas de maior impacto, e da virulência dos elementos, os danos foram localizados – ICC Centro – e menos graves: a UnB estava bem mais protegida.

 

Sim, porque desde 2011, já na minha gestão e nas seguintes, a UnB vem adotando medidas preventivas e de ajustamento a sua expansão que continua (de minha parte fico feliz percorrendo os campi de não me deparar com nenhum esqueleto que pudesse ofuscar a tremenda expansão vivenciada pela UnB desde o Reuni – a creche concluída, o hospital da criança pronto para ser inaugurado, os laboratórios de ensino da área de saúde e até o prédio da antiga Fubra, reconstruído para servir a novos serviços da universidade – passando pela austeridade neoliberal e necropolítica do período recente.

 

Aliás é a avaliação de um professor da área de engenharia, segundo o qual “aquele volume de água ultrapassa qualquer capacidade. Além de ter que ser parado na Asa Norte, choveu em poucos minutos quase a metade do que estava previsto pra fevereiro”.Uma observação importante, vinda de um professor, especialista, que ajudou a fazer aquele canal perto do posto de gasolina para proteger o auditório do Departamento de Engenharia Florestal.

 

Essa avaliação é também feita pelo professor Sergio Koide, do Departamento de Engenharia Civil (Koide presidiu a comissão que constitui em 2011 e foram preciosas as suas recomendações, no relatório final apresentado em audiência pública). Segundo ele, agora, “no caso dos módulos de serviço e alguns prédios que sempre davam problema, as obras de impermeabilização e as limpezas de calha e bueiros funcionaram bem. Inclusive na FS”.

 

Claro que sempre teremos as observações de superfície que navegam na enxurrada, sobretudo quando carregam argumentos que querem dar conteúdo a discursos de posicionamento – para as narrativas políticas movidas dentro e fora da UnB. Aí, não há moderação, nem sentimento de pertença. É a estratégia da dialética erística dos argumentos falaciosos, descritos desde Aristóteles, e de forma atual e esquemática enunciados pelo filósofo Schopenhauer, no elenco dos 38 estratagemas que identificou no discurso de quem quer vencer argumentativamente sem ter razão. São ampliações indevidas, homonímias sutis, ignorância de contra-argumentos, premissas falsas, encolerizar adversários, manipulação semântica, distinções de emergência, uso da raiva, ataque e ofensa pessoal ao adversário, pistas falsas, persuasão pela vontade e por aí adiante.

 

Por isso que me encheu o coração a postagem de Lucas Barbosa, em 9 de fevereiro, no facebook. Lucas foi militante estudantil aguerrido em meu tempo de reitorado. Até estava no arco dos chamados radicais – tão necessários à política – mas muito cioso de não servir à reação e de contribuir para dividir a necessária unidade progressista que possa garantir um projeto universitário republicano, laico, leal ao social, inclusivo, necessário e emancipatório.

 

Fico com a pertinente e ética crítica de Lucas: “Os estragos causados na UnB hoje são o resultado de uma equação simples: erros estruturais que não foram corrigidos, os sucessivos cortes nos orçamentos das universidades públicas que impedem reformas estruturais e as mudanças climáticas. Para 2024, o quadro é o mesmo, quase 60 bilhões para emendas parlamentares, 5 bi para o fundão eleitoral e quase 500 bi em rolagem do serviço da dívida. Infelizmente, parafraseando Darcy, o projeto da educação pública é a crise!”.

 

Publicado originalmente em 14 de fevereiro no site Brasil Popular/DF

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