OPINIÃO

Caio Frederico e Silva é diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Doutor pela UnB e Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordenador do Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo (LaSUS/UnB) e pesquisador colaborador do Critical Landscapes Design Lab (GSD/Harvard University).

Caio Frederico e Silva

 

É um dos objetivos do desenvolvimento sustentável, segundo a Agenda 2030, que as cidades se tornem mais habitáveis, saudáveis, seguras e sustentáveis. Sabemos que isto somente será atingido se as comunidades e assentamentos forem repensados para assumirem uma relação mais harmônica com o seu contexto ambiental e climático. A preservação das áreas verdes nas cidades se coloca no centro desta discussão para garantia da qualidade do ambiente urbano e a redução do calor extremo. O verde nas cidades minimiza os efeitos negativos da urbanização, no entanto, a distribuição das áreas verdes e a consequente redução não é equilibrada em todas as partes das cidades.

 

No Distrito Federal (DF), por exemplo, há uma forte discrepância entre as áreas mais e menos verdes. As cinco regiões mais verdes do DF são aquelas onde encontra-se a população de maior renda per capita. Este estudo foi publicado no capítulo de livro intitulado: Brasília, um plano verde, que pode ser lido neste link. O texto apresenta um gráfico que mostra que as regiões do Lago sul, Plano Piloto, Parkway, Lago Norte e Jardim Botânico são as cinco regiões da cidade com a maior concentração de verde urbano e de renda per capita. Este dado é a prova da necessidade urgente de construirmos soluções que busquem a justiça climática e que enfrentemos o racismo ambiental escancarado nas nossas cidades.

 

Testemunhamos diariamente a forma como as alterações climáticas impactam diferentemente as nossas cidades. No contexto brasileiro, as áreas verdes se concentram em áreas centrais ou bairros residenciais de alto poder aquisitivo, enquanto os bairros periféricos, caracterizados por uma escassez de espaços verdes, são também os mais densos, portanto, fazendo com que a maior parte da população não usufrua das benesses do verde urbano. A irregular distribuição de verde nas cidades é uma clara demonstração de como o racismo ambiental opera, onde a maioria da população não acessa o verde urbano e, portanto, não usufrui dos benefícios ambientais promovidos pela presença de áreas verdes na cidade.

 

Os efeitos nocivos advindos da expansão urbana promovem deliberada troca de cobertura vegetal por materiais impermeáveis como o concreto e o asfalto. A ciência já nos comprovou que a substituição da camada natural do solo por materiais urbanos mais impermeáveis como o concreto e o asfalto forma uma combinação térmica que tem implicações negativas significativas na temperatura de superfície da malha urbana, contribuindo para a ocorrência de anomalias relacionadas ao clima, como o desconforto térmico promovido pelo calor extremo. Assim, preservar o verde urbano passa a ser uma das mais importantes missões de resiliência urbana, porém, essa preservação encontra-se em risco em diversos lugares do mundo.

 

Na cidade de Salvador, por exemplo, esse risco é provocado por um processo de intolerância religiosa. Sabe-se que a relação entre o verde urbano e os terreiros de religiões de matriz africana é intrínseca e, por isso, muitos lugares da cidade são considerados locais sagrados, compreendidos como bastiões da natureza e importantes agentes de combate às mudanças climáticas. Neste aspecto, a dimensão verde na cidade de Salvador atinge uma nova complexidade, pois a paisagem da cidade requer uma compreensão de tolerância e respeito ao seu patrimônio verde que está, muitas vezes, conectado aos locais sagrados de diversas religiões e crenças. Neste contexto, o combate à intolerância religiosa, data que é celebrada no dia 21 de janeiro, é também uma luta em prol da sustentabilidade e pela preservação de um ambiente harmônico e com resiliência climática nas cidades.

 

O verde urbano é uma das soluções climáticas para o enfrentamento do calor extremo. A cidade de Salvador possui diversos terreiros em seu território, que são considerados os únicos fragmentos verdes em seu contexto urbano altamente adensado e impermeabilizado. Há registros que a área verde do terreiro promove uma redução de mais de cinco graus Celsius de Temperatura em sua área, trazendo benefícios ambientais para o seu entorno imediato, como o incremento de biodiversidade promovido pela presença da vegetação, em sua maior parte nativa, uma vez que as religiões preservam a vegetação original do lugar.

 

Neste sentido, observou-se que as áreas verdes dos terreiros de Salvador se encontram em risco e estão fragmentadas no tecido urbano, sem conexão com as demais áreas verdes da cidade. Assim, ações emergentes de rearticulação desses fragmentos verdes precisam ser tomadas para garantir e aumentar a resiliência climática de nossas cidades, priorizando as comunidades mais vulnerabilizadas. A erradicação do racismo ambiental passa por um processo de ampliação de consciência ambiental, que demanda necessariamente mais educação ambiental, feita por um processo que nos leve a tomar uma atitude mais cidadã, em prol de um ambiente menos desigual e mais inclusivo, seguro e harmônico.

 

Para saber mais sobre o artigo que discute os pormenores do impacto das temperaturas nos Terreiros de Salvador, o documento está disponível neste link.

 

Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito do projeto Cities, Climate and Colors que é desenvolvido por três universidades, composta pelo grupo de pesquisadores do LaSUS (Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo da FAU/UnB) do grupo EtniCidades (Grupo de Estudos Étnico-Raciais em Arquitetura e Urbanismo – da Universidade Federal da Bahia) e do Laboratório Critical Lanscapes da Graduate School of Design (GSD/Universidade de Harvard).

 

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