OPINIÃO

José Geraldo de Sousa Júnior é professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (Ceam); ex-Diretor da Faculdade de Direito e ex-reitor da UnB. Colidera o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua.

 

José Geraldo de Sousa Júnior

 

Uma notícia publicada na página do Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), dá conta de que quatro congregações de religiosas consagradas entraram com uma ação contra o conselho da fabricante de armas Smith & Wesson em 5 de dezembro em um tribunal de Las Vegas, no dia anterior a um atirador matar três pessoas e ferir gravemente uma quarta no campus da Universidade de Nevada, em Las Vegas, a oito quilômetros de distância.

 

Segundo a reportagem de Dan Stockman, publicada por America, em 13 de dezembro, as dominicanas de Adrian, Irmãs de Bon Secours, Irmãs de São Francisco de Filadélfia e as Irmãs dos Santos Nomes de Jesus e Maria entraram com o que é conhecido como um processo derivado, que, conforme explicado ao site global SistersReport, é quando acionistas da empresa processam conselhos corporativos por supostamente falharem em suas responsabilidades com os acionistas. As irmãs afirmam que os diretores corporativos da Smith & Wesson Brands expuseram a empresa a passivos enormes pela fabricação, venda e marketing de rifles estilo AR-15.

 

A perspectiva que se abre com o processo, se bem-sucedido, é a responsabilização dos diretores da empresa por quaisquer custos associados ao marketing supostamente ilegal de rifles de assalto e quaisquer danos seriam pagos à Smith & Wesson, não aos autores da ação. O advogado das irmãs disse que este processo é o primeiro caso derivado contra um conselho corporativo sobre rifles de assalto: “Assim como as empresas farmacêuticas sendo castigadas por julgamentos civis e multas depois de anos de lucros com a venda de opioides perigosos, o conselho da Smith &Wesson ignora voluntariamente a exposição potencialmente arruinante que a empresa enfrenta por seu marketing e venda de armas projetadas especificamente para matanças em massa”, disse o advogado Jeffrey Norton em um comunicado anunciando o processo. “Estamos orgulhosos de nos associar a essas congregações de irmãs católicas que há muito buscam responsabilidade corporativa por meio de sua atividade acionista”.

 

A ação das dominicanas segue uma linha de formulação político-moral que a partir da sociedade civil, sobretudo nos Estados Unidos, vêm propugnado por fim à violência com medidas que valorizem cultura de paz. Cidades norte-americanas entram na Justiça para receber de volta gastos com danos provocados por armamentos. Não só para buscar reparações (EUA processam fabricantes de armas); mas até para fazer incidir em coautoria, o fabricante que descuida de salvaguardas para prevenir o excesso letal do uso de armas (Em decisão inédita fabricante de armas é condenado nos EUA).

No Brasil, já temos a demarcação dessas salvaguardas. Também da página do IHU recupera a decisão que define que a veiculação de anúncios publicitários de armas de fogo na internet e nas redes sociais viola a Constituição, o Estatuto do Desarmamento e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

A iniciativa foi da Comissão Arns, que levou a 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a decidir que a propaganda on-line de armas de fogo é ilegal e determinou a retirada “imediata e incondicional” de anúncios publicitários de armamentos da fabricante Taurus no Instagram e em seu site, sob pena de multa diária. A decisão foi tomada em recurso contra a fabricante de armas interposto por Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e Intervozes, com advogados da Rede Liberdade.

 

O acórdão sustenta que a publicidade de armas de fogo viola não só a definição constitucional de paz e segurança, mas também o Estatuto do Desarmamento e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, diante de anúncios publicitários de armas de fogo na internet, “fica o público exposto em larga extensão e profundidade a essa propaganda, sobretudo ilegal, o que prejudica sua formação e o futuro da sociedade livre, igual e solidária desejada pela Constituição”.

 

Mas o quadro geral da violência pela facilitação de acesso a armas de fogo, hoje sabidamente, uma intencional política para a formação de milícias, não só urbanas mas também rurais, ao limite engajáveis em mobilizações golpistas contra a democracia, a constituição e ao estado de direito democrático, está configurado em estudos e pesquisas que dão uma medida visível de sua resultante. Veja estudo do IPEA.

 

Precisamos retomar esse imperativo político-democrático, pois essa é uma questão que se coloca na perspectiva ética que busca desenvolver e aperfeiçoar sistemas alternativos de produção, fundados em concepções de comércio justo, que reclamam regimes jurídicos especiais para atribuir condições justas às suas práticas, inspiradas em movimentos que se põem contra toda forma de mercadorização e trivialização da vida no social.

 

Publicado originalmente em 18 de dezembro no site Brasil Popular/DF

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