OPINIÃO

Catarina de Almeida Santos é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo.

 Catarina de Almeida Santos


No dia 15 de outubro comemora-se, no Brasil, o Dia das Professoras e Professores, que têm o desafiante ofício de formar para todos os demais ofícios, mas sobretudo de formar gente. Ser docente é ensinar aprendendo e aprender ensinando. É entender que ensinar e aprender são verbos interdependentes, que não podem ser conjugados separadamente.

Mas ser docente no Brasil e no mundo atual, está cada vez mais complexo e apresenta desafios que parecem intransponíveis. No Manifesto dos pioneiros da educação nova (1932) seus signatários falam sobre o papel fundamental de educadoras e educadores, como profissionais que carecem de uma cultura múltipla e bem diversa. Como aqueles que precisam compreender as profundidades da vida humana e social, pois devem “ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, ‘o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social’, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização”.

A máxima defendida no Manifesto tem sua complexidade ampliada na atualidade, em um mundo em que os dados da realidade não apresentam boas perspectivas de futuro para a humanidade e seus processos civilizatórios. Ser docente nesse contexto é lidar com o desfio de manter o esperançar quando centenas de milhares de crianças estão sendo mortas pelo ódio, pela intolerância e ganância dos adultos. Quando em nome de Deus o ódio às múltiplas formas de existir se amplifica, a intolerância ceifa vidas e as diferenças que são partes constituintes e constitutivas da humanidade se tornam motivos para sua destruição.

O desafio de ser docente é manter o esperançar com a natureza sendo colapsada pelos homens e seus podres poderes, tornando a nossa estada na terra uma grande ameaça. É lidar com a usura de uma gente que, do alto da sua arrogância, delega a si – uma pequena casta – a condição de humanos e, aos demais, a sub-humanidade. Para tal, matam nascentes, envenenam e poluem rios e mares, tornam o solo infértil, provocam tsunamis, enchentes, alagamentos, destroem florestas, poluem o ar, provocam secas, queimadas, vendavais, muitas vezes queimando e soterrando localidades inteiras. Exercer a docência, na perspectiva freiriana, buscando o desenvolvimento de uma educação desvestida da roupagem alienada e alienante, a educação como força de mudança e de libertação, é tarefa árdua e necessária, em um mundo que está em perene estado de múltiplas guerras.

O desafio docente é construir um processo educativo que marche na contramão dessa banalização da destruição e naturalização das violências e violações, em um país que militariza as escolas, que negligencia a profissão docente, que nega direitos fundamentais, que banqueiros e fundações empresariais definem o que será ensinado aos discentes nas escolas públicas, plataformizam a educação e advogam o fim da nossa profissão. A efetivação da educação, em uma outra perspectiva, nos impõe a tarefa de exercer a pedagogia da indignação, de não nos conformarmos que vida plena seja privilégio de alguns e que os demais sejam os “demitidos da vida”, “os condenados da terra”.

Nosso desafio é garantir as condições objetivas para que o processo de ensinar e aprender esteja pautado no combate à educação bancária, que mata sonhos, que nega vida, que faz dos educandos autômatos, seres da adaptação, de ajustamento, negando a sua condição de sujeito. É mudar o curso das políticas educativas que, na contramão da valorização da profissão docente, destroem o interesse da juventude pela docência.

Freire nos diz no livro À sombra desta mangueira que “é imperioso mantermos a esperança mesmo quando a dureza ou aspereza da realidade sugiram o contrário”. Assim, parafraseando Freire, penso que o nosso desafio ético e político é não permitir o discurso cínico que afirma que as coisas são assim porque não podem ser diferentes. É não submeter a humanidade aos desejos e caprichos dos seus algozes.

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