OPINIÃO

Professor adjunto do Departamento de Engenharia Elétrica (ENE/FT). É doutor pela University of Colorado at Boulder e mestre pela Universidade Estadual de Campinas. Graduou-se em engenharia civil na Universidade de Brasília.

Curriculo Lattes

Alexandre Ricardo Soares Romariz

 

Faleceu no fim de semana José Camargo da Costa, professor titular da área de eletrônica do Departamento de Engenharia Elétrica da
UnB.

Em algum dia de 1990 ou 1991 eu bati na porta da sua sala, e me ofereci para trabalhar em seu grupo de pesquisa como estudante de graduação, no que se costuma chamar Iniciação Científica. Ele prontamente me aceitou, como aceitava, generoso, trabalhar com todas as pessoas. À época estava pesquisando uma série de circuitos eletrônicos que emulam o que se acredita sejam as operações computacionais dos neurônios. Um assunto que só muito recentemente se tornou o centro da pesquisa na área de Tecnologia. Nos anos 90 era algo absolutamente visionário.

Fiz também sob sua orientação o trabalho de conclusão de curso. Foi ele que me recomendou ao Prof. Márcio Andrade Netto da Unicamp para que eu fizesse o meu mestrado. Foi quem me incentivou a prestar concurso para professor da UnB mais à frente quando surgiu uma vaga em nossa área. Em resumo, não é exagero dizer que o que fiz em minha carreira profissional foi tocado pela sabedoria e generosidade desta pessoa que perdemos.

Saltava aos olhos, em um primeiro encontro, a inteligência incomum. O fluxo ininterrupto de palavras, que tornava a conversa difícil e longa (comentava-se que sua presença tinha poder de dobrar a duração de qualquer reunião).

É o responsável pela formação (em graduação, mestrado e doutorado) de várias gerações de engenheiros e engenheiras. Se ainda existe microeletrônica no Brasil hoje, uma parcela deste feito é de Camargo e seus colegas da Sociedade Brasileira de Microeletrônica.

Na visão estereotipada sobre a criatura inteligente dedicada às exatas (o famoso nerd), espera-se uma frieza com relação ao semelhante e às complexidades das artes e ciências humanas, com exceção da música --- há uma relação doida e até hoje mal explicada entre essas duas. Pois então, quem viesse com essa ideia sobre Camargo após o primeiro encontro teria uma grande surpresa.

Camargo provocava (acho que nos termos de hoje quase se diria assediava) estudantes de engenharia a definir metas de leitura de livros fora da área técnica. Recomendava filmes em suas aulas sobre o transistor MOS. Era amigo pessoal e colaborador de acadêmicos das mais variadas áreas.

Dedicava-se com ímpeto imparável a qualquer boa causa em sua visão. Defensor ardoroso da UnB, incluindo os desdobramentos desta causa na ação sindical e na legítima pressão sobre a política legislativa.

A generosidade que mencionei acima também não era restrita a oferecer orientação acadêmica. Camargo poderia chegar atrasado à reunião mais importante do ano porque encontrou alguém com o carro quebrado no caminho.

Chequei meu Whatsapp agora. Na nossa conversa, depois de algumas trocas de mensagens banais sobre trabalho, uma pergunta minha: "Posso te ligar?". Àquela altura já sabia que seus problemas de saúde pioraram. Camargo era extremamente reservado e não gostava de falar sobre seus problemas, então achei necessário perguntar.

A mensagem ficará sem resposta. Descanse em paz.

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