OPINIÃO

Kleber Aparecido da Silva é professor do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília. Doutor em Estudos Linguísticos pela Unesp – São José do Rio Preto. Coordena o Grupo de Estudos Críticos e Avançados em Linguagens (GECAL) e é bolsista de produtividade em pesquisa pelo CNPq – 2A.  kleberunicamp@yahoo.com.br | kleberaparecidodasilva@gmail.com

Kleber Aparecido da Silva

 

Em meio a crise negacionista que vivemos de 2018 a 2022, a popularização da ciência tem se mostrado peça-chave para superar os desafios de sobrevivência e da sustentabilidade do planeta. Reafirmando a sua posição vanguardista, a Associação Brasileira de Linguística (Abralin), em parceria com a editora Mercado de Letras, inaugurou uma série de livros de popularização da Linguística para um público amplo, e que tem como cerne problematizar a seguinte questão: O que pode esta língua?

Já foram lançados em 2022 três volumes que reforçam “(...) o compromisso da Abralin com a sociedade, promovendo justiça social ao democratizar o acesso ao conhecimento, ao mesmo tempo que fomenta novos linguistas para adentrar em uma campo ainda tão desafiador que é o da Linguística¹”: i) Como uma língua funciona?: fundamentos (muito básicos) de linguística, de Luisandro Mendes de Souza; ii) Que tal a Linguística com uma colher de açúcar: textinhos adocicados sobre a linguagem, de Luisa Godoy; e iii) Escola e [linguística] e o lugar de política?: uma análise discursiva da Escola sem Partido, de Helio Oliveira.

Estes livros, que tive o prazer de ler no início deste ano, apresentam temas variados, com uma linguagem leve, clara e didática, e até com sugestões bibliográficas para que o/a leitor/a possa aprofundar naquele tema ou conceito/constructo tratado. Isto para mim é fazer ciência. Isto é “fazer linguística”. Contudo, por várias décadas, muitos pesquisadores/as filiados/as a campos específicos da Linguística brasileira tiveram como objetivo principal apresentar, discutir e problematizar questões de língua(gem) a partir de epistemologias e ontologias que muitas pessoas da sociedade não compreendiam, e que refletiam muito, por sua vez, um fazer/pensar/agir do Norte Global.

Percebo, sinto e vivencio hoje um certo movimento no qual tem sido caracterizado na literatura acadêmico-científica como “Epistemologias do Sul” e/ou “Vozes do Sul”, que se alinhavam a uma perspectiva decolonial de (re)construção e disseminação dos conhecimentos. Em síntese, o que eu postulo neste artigo é a viabilização e a (re)construção de visões e teorizações que sejam (re)construídas a partir dos diálogos e debates, a partir de perspectivas contemporâneas, plurais, críticas e antirracistas; trazendo assim também as vozes subalternizados.

Sendo assim, que nós como pesquisadores/as da línguagem possamos, a partir de uma perspectiva democrática, agentiva e decolonial, ouvir as vozes dos/as catadores/as, dos/as pretos/, dos/as indígenas, dos metalúrgicos, dos/as educadores/as, dos/as cozinheiros/as, dos/as deficientes físicos, dos artesãos e das artesãs; ouvir a todos aqueles que foram “silenciados” e que foram “invisibilizados” no contexto brasileiro.

Assim contagiado pela forte emoção que vivenciamos nos últimos dias com a posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e refletindo no que escrevera o sociólogo Boaventura de Sousa Santos: “Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize”, chego a conclusão de que temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades que tivemos e mantivemos. Que possamos compreender e analisar à luz de Políticas Públicas e Políticas Educacionais os “Brasis” presentes em nosso país, a partir de um olhar e um agir crítico, emancipatório e planetário. E por eu ser freireano de “carteirinha”, vejo uma cortina das diversidades que se abre neste momento sócio-histórico para um espetáculo em respeito aos direitos humanos ter início. E estou convicto de que o hoje não será mais como antes.

 

 

¹ https://www.mercado-de-letras.com.br/livros.php?categoria=175

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