OPINIÃO

Arte: Patrícia Meschick

 

 

Marcus Santos Mota é professor no Instituto de Artes da Universidade de Brasília, dirige o Laboratório de Dramaturgia e Imaginação Dramática (Ladi). Atua no Departamento de Artes Cênicas, no Programa de Pós-Graduação em Arte, no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e no Programa de Pós-Graduação em Metafísica. É mestre em Teoria da Literatura e doutor em História pela Universidade de Brasília. Mestre em Arranjo e Orquestração pela Berklee. 

Marcus Mota

 

Na ensolarada tarde de 14 de abril, quinta feira, véspera da sexta feira santa, deu-se o velório do mestre e amigo Hugo Rodas. Como sua extraordinária existência, não foi um velório habitual: acorreram para o Espaço Cultural da 508 sul, espaço de residência artista de seu grupo Agrupação Amacaca, uma multidão heterogênea que se dividiu entre abraços, choros, lembranças, cantos e batuques.  Ali estavam reunidos companheiros e fãs celebrando a grande personalidade artística que. desde 1975, transformou os palcos do Distrito Federal, integrando teatro, dança, música e artes visuais em montagens críticas, provocativas e excitantes.


Com a fundação do Departamento de Artes Cênicas da UnB em 1989 a partir do empenho e qualidade de artistas da cidade, Hugo passou a integrar o Instituto de Artes como professor visitante, tendo depois feito prova para reconhecimento de notório Saber em 1998. Hugo formou gerações de artistas. Em um ano comum, a cada semestre orientava/dirigia três montagens de espetáculos com os alunos na Universidade, fora seu trabalho profissional na cidade, em Goiânia, e no eixo Rio-São Paulo.


A aproximação entre arte e Universidade fez bem para todos. Hugo veio com sua bagagem profissional, suas mil e uma habilidades e encontrou, entre colegas, alunos e rotinas universitárias, o impulso para se transformar em um educador e pensador das artes. Essa aproximação o fez questionar o que fazia e onde estava. A própria “academia” não ficou imune ao seu espírito ao mesmo tempo anárquico e construtor.


Era o que se via em seus ensaios. Ensaios não eram lugar para preparar algo que seria apresentado depois. A sala de ensaios era um laboratório de investigações de movimento corporal expressivo, de dramaturgias multissensoriais, de imaginários que se valiam de todas as referências. Tudo era reciclado, transformado em presença.  E em tudo aquilo havia um método  –  intuição e método.


As primeiras semanas de um processo criativo eram dedicadas a destruir o ponto de partida, qualquer que fosse ele – um texto de Shakespeare, uma notícia de jornal, uma canção. Ele junto do grupo testava e experimentava diversas maneiras se dispor aquilo que já existia, mas estava passando uma remodelação. Hugo dizia que toda a encenação então vinha na cabeça dele como um filme. Tudo era construído mentalmente, detalhe por detalhe. Em seguida, nos ensaios, esse filme era transfigurado pelos intérpretes.


Depois da trabalheira das primeiras semanas, quando havia um conceito do trabalho – movimento, estética, espaço, cenografia, etc. – começava o trabalho de levantamento das cenas até seu acabamento para as apresentações. Hugo podia mudar tudo em um ensaio, até nos ensaios gerais. Sob o signo da mudança ele mantinha a si e os outros em um “conhecimento em contato”: todos estavam interligados, todos precisavam saber o que estava acontecendo.


Depois de sua aposentadoria compulsória em 2009, Hugo passou a estar vinculado à UnB como Pesquisador Associado ao PPG-Cen, e começou a publicar alguns textos e ser objeto de dissertações de mestrado.


A imensa obra de Hugo está ainda a se estudar. Em seu apartamento na colina há cadernos, pastas, anotações. Muitos de seus ensaios e obras foram filmados. Monografias de fim de cursos e pesquisas de Pibic foram feitas a partir dos espetáculos que Hugo orientou.  Ele escreveu textos para a revista Dramaturgias em uma coluna dedicada a ele – Huguianas.


Esse é outro modo pelo qual um artista que veio para a Universidade quer ser lembrado: não apenas pela sua pessoa, pelo seu histrionismo, pela sua magia, mas também por um saber perceptível, comunicável, traduzível, interpretável que move corações e mentes para continuar a transformar a realidade.


Naquele caixão ali na 508 sul, estava um corpo que dançou, esbravejou e agitou plateias e mundos. Tivemos a bela oportunidade aqui na UnB e em Brasília de sermos contemporâneos de Hugo. Agora, que a dança não pare, que os braços se ergam e a voz atravesse os ares. Mais forte que a morte é a memória do possível. Mãos à obra! Um homem que fez arte para se liberar e liberar os outros nos conclama: saber, fazer e lutar! É assim que se vive. É assim que Hugo Rodas meu querido mestre e amigo viveu.

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